quinta-feira, 20 de novembro de 2008

China, economia socialista de mercado: A visão dos dirigentes chineses.

Márcio Moraes do Nascimento
Luisa Moura


Resumo: O presente artigo examina, à luz do pensamento dos novos dirigentes do Partido Comunista Chinês, aspectos da economia deste importante país do cenário mundial que, ao longo dos últimos 30 anos, vem experimentando um vigoroso crescimento econômico.


Palavras Chave: China, abertura econômica, Socialismo de Mercado

A transição que transformou a China em uma das maiores economias do globo se caracterizou por uma passagem bem mais lenta do controle estatal para um sistema hibrido, do que as que ocorreram em países que adotaram a planificação da economia e hoje vivem sob o predomínio do capitalismo. Ainda hoje aspectos da economia chinesa são enigmáticos para boa parte dos analistas, como exemplifica Pomar (2008):

.... nebulosa ainda, para muitos, é a natureza do sistema econômico, social e político chinês. Há os que, na direita e na esquerda, afirmem categoricamente que a China adotou o capitalismo selvagem. Como há os que classificam a sociedade chinesa como capitalismo de Estado. Há, ainda, os que, como os próprios chineses, acreditam que na China vigora um socialismo de mercado, com características nacionais.

A partir do 11° Congresso do PC Chinês, realizado em 1978, sob a liderança de Deng Xiaoping, a China adota mudanças paulatinas na forma de gerir sua economia: verifica-se o esboço da passagem de uma economia planificada para uma economia de mercado, ainda que, segundo os dirigentes chineses, permaneça socialista. De acordo com Oliveira (2003):

Xiaoping já estava com 74 anos ao assumir a liderança suprema da China. Tinha consciência de como era curto o tempo para a tarefa, que lhe parecia essencial, de deslocar o regime da tradicional luta de classes para uma trajetória de desenvolvimento econômico e tecnológico. A revolução comunista já fora feita na China. Tratava-se agora de erigir o PCC na promoção e garantia da construção de uma sociedade socialista plenamente integrada na modernidade em mutação. (...) Na França, Deng firmou laços de amizade e identificação intelectual com Chu En-lai, seis anos mais velho do que ele, mas companheiro de lutas nas décadas em que os dois foram ascendendo ao topo do PCC. Unia-os a convicção, nascida na vivência de ambos no exterior, de que a China só superaria o atraso trazido por um século de colonialismo, se se abrisse para o mundo, disposta a aprender com o mundo. Chu En-lai foi o idealizador das "Quatro Modernizações", transformadas em programa de governo por Deng, com a determinação adicional de abertura da economia chinesa para o mercado internacional.”

De volta ao poder, após o falecimento de Mao Tse Tung, Xiaoping se depara com um PCCh vinculado às idéias de Mao. Xiaoping engendrou então transformações internas visando a modernização do sistema chinês, tornando a visão pragmatica denotada em sua celebre frase de 1962, “pouco importa qual é a cor do gato, o importante é que ele cace os ratos”, no principal norte da modernização chinesa.

Em 1982 na ocasião do XII Congresso do PCC, Xiaoping delineou a politica que preparou o PCh e o governo para a implementação da abertura chinesa ao exterior, a chamada "Quatro Modernizações" (da agricultura, da indústria, das forças armadas e das atividades de ciência e tecnologia), e fixou uma agenda com quatro pontos: (1) nova estruturação administrativa e economica; (2) erigir uma ordem socialista, culturalmente avançada; (3) combate ao crime; e (4) corrigir distorções internas no PCCh (visando a renovação dos quadros do PCCh, já que muitos dos antigos dirigentes ainda eram influenciados pelo ideario maoista .)

Em 1992, o 14º Congresso do PCCh assume de modo oficial a condição de uma economia socialista de mercado. Há um grande debate acerca do papel dos diversos entes econômicos na China, e qual é o efetivo papel do Estado e das empresas privadas no país.

Conhecer o papel desempenhado pelo governo chinês nesse sistema hibrido de economia é importante passo para destrinchar as especificidades dessa economia ascendente. Segundo os dirigentes do PC, a China de hoje faz parte de uma economia moderna, e o governo, através de forte regulação, não deixa que esta se torne uma economia “anárquica”. Neste novo período reformista e de abertura ao capital estrangeiro, principalmente a partir de 1992 as funções desempenhadas pelo governo chinês na economia passaram a se transformar: o governo deixa de desempenhar o papel de operador direto ou indireto para se tornar servidor e regulador.

A partir desse momento as principais funções do Governo Chinês na economia são:

1. Defender a ordem do mercado: O governo como legitimo representante do interesse público, elabora as regras de funcionamento da economia de mercado, garantindo o ordenamento jurídico da economia, através de formulação de rigorosas regras para as empresas.
2. Equilibrar a macro-economia: Controlar os índices de inflação e deflação, promover pleno emprego, atingir equilíbrio da balança de pagamentos, alcançar um crescimento estável e o desenvolvimento sustentável. Estes fatores visam dar uma melhor sustentação ao rendimento do crescimento econômico chinês.
3. Regular a distribuição justa: Os dirigentes chineses partem da premissa que o mercado não é justo, conduzindo inequivocamente a ampliação das desigualdades de renda, argumentam que o mercado resolve de forma satisfatória a questão da eficiência, porém é incapaz de dar solução ao problema da desigualdade, portanto é de grande importância a inserção de políticas publicas na distribuição e redistribuição de renda, isso acontece através de reajustes salariais dados pelo governo aos funcionários públicos e outros entes sociais, ainda há a política de diminuição da carga tributaria e garantia da seguridade social.
4. Ser fornecedor dos produtos públicos: Viabilizar infra-estrutura publica (transporte, hidrelétricas, gás, proteção das florestas).
5. Administrar a relação da economia com o exterior: Salvaguardar o interesse nacional e procurar equilíbrio no comercio exterior, exercendo um papel de intervenção nessa atividade, elaborando e executando estratégias comerciais estatais. Segundo: Qihua (2007): “o governo chinês exerce as funções transitórias na criação e aperfeiçoamento do mecanismo de mercado e das organizações intermediárias de mercado e na reforma acionária das empresas estatais”.

De acordo com o PCCh, o capital privado, desempenha alguns papéis na economia chinesa entre eles se destacam:

1. Importante força para otimizar o poderio nacional: O crescimento da economia privada atualmente representa mais de 25% do PIB e 50% da carga tributaria, além de obter importantes divisas para o país através das exportações.
2. Principal canal de emprego. Entre 1992 e 2002, o número de trabalhadores nas empresas privadas saltou de 2,32 milhões para 34,093 milhões, um aumento de quase 15 vezes.
3. Força principal do desenvolvimento da indústria terciária.
4. Fundador do sistema da economia de mercado socialista e promotor da reforma das empresas estatais: a flexibilidade da gestão e eficiência exerce pressão e estimulo para que as empresas estatais aprofundem seu processo de reforma.
5. Importante contribuinte da receita dos habitantes urbanos e rurais.
6. Principal fornecedor dos artigos de uso diário à população: O sistema de propriedade única antes das reformas causava escassez de mercadorias, com a abertura o setor privado tornou-se principalmente provedor de produtos ligados ao cotidiano das pessoas.

Após a abertura econômica, a China vem crescendo anualmente em média 9%, garantindo ao mesmo tempo a estabilidade básica de preços. Durante esse processo a utilização de capital estrangeiro desde a implementação da primeira ZEE, a China recebeu US$882,7 bilhões de capitais estrangeiros, sendo, US$691,9 bilhões de investimentos diretos estrangeiros. Este novo setor econômico, chamado pelo governo chinês de “economia da propriedade não-estatal” é também responsável pelo crescimento dos postos de trabalho. Entre 2002 e 2006, 40 milhões de postos de trabalho foram criados nesse setor, segundo divulgação da Administração Estatal de Estatísticas que também afirma que a economia de propriedade não-estatal já é o segmento que mais cria empregos na China. Durante aqueles 4 anos, grande quantidade de mão-de-obra foi transferida das empresas estatais para as empresas privadas. Até final do ano passado, o número de trabalhadores empregados pelas empresas estatais diminuiu mais de 10 milhões em comparação com 2002, enquanto o número de trabalhadores nas empresas da economia não-estatal aumentou 11 milhões.
Segundo os dirigentes do PCCh, o capital estrangeiro desempenha os seguintes papéis na economia chinesa:

1. Fornecer vultosos fundos à construção civil.
2. Introduzir as tecnologias e as experiências administrativas avançadas.
3. Promover o reajuste da estrutura industrial.
4. Aumentar a receita financeira e o emprego: Segundo dados do governo chinês o capital estrangeiro é responsável por 20% da carga tributaria.
5. Impulsionar o desenvolvimento do comércio exterior: Empresas criadas com investimento estrangeiro possuem vantagens de acesso ao mercado internacional e aos créditos internacionais.
6. Promover a reforma nacional e o desenvolvimento da economia de mercado: Devido à competividade trazida pelos capitais estrangeiros as empresas nacionais são impelidas a melhorar sua gestão e produtividade

Principalmente após a integração chinesa na Organização Mundial do Comércio (OMC), a regulamentação estatal chinesa vem paulatinamente se adaptando às normas internacionais. O governo chinês busca, deste modo, engendrar esforços que possibilitem a criação de um ambiente que garanta a integração do país na economia internacional.

Bibliografia:

EMBAIXADA da China - http://www.embchina.org.br/por/szxw/t368742.htm

HERLAND, Michel . VIETNÃ — ECONOMIA EM TRANSIÇÃO: Existe "socialismo de mercado"? Disponível em http://diplo.uol.com.br/_Michel-Herland . Acesso em 12 de abril de 2008

NASCIMENTO Cleizi do. A construção ideológica do socialismo de mercado: uma visão neo-realista CIARI – Centro de Investigação e Análise em Relações Internacionais. Disponível em www.ciari.org. Acesso em 12 de abril de 2008

OLIVEIRA, Amaury Porto de. Governando a China: a quarta geração de dirigentes assume o controle da modernização. Rev. bras. polít. int. , Brasília, v. 46, n. 2, 2003 . Disponível em: . Acesso em: 10 Set 2008.

QIHUA, Zhang. Economia de mercado socialista da China: Papéis do governo e dos capitais privados e estrangeiros. Seminário: Qual Socialismo. Fundação Perseu Abramo. Disponível em: http://200.169.97.236:81/uploads/China-Economia-de-mercado.pdf. Acesso em: 07 abril 2008.

QIHUA, Zhang. Que tipo de socialismo. Seminário: Qual Socialismo. Fundação Perseu Abramo. Disponível em: http://200.169.97.236:81/uploads/China-qual-socialismo.pdf. Acesso em: 07 abril 2008.

POMAR, Wladimir. Teorias sobre a China. Correio da Cidadania. Disponível em: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/2075/46/. Acesso em: 11 set 2008

sábado, 15 de novembro de 2008

O Pacto de Varsóvia

Ana Claudia Feliputi
Ellen Costa
Fernando Caue Ortiz de Camargo
Marcio Moraes do Nascimento
Samanta Frei
Sandra Maria B. Cruz




1. Introdução

A criação do Pacto de Varsóvia em 1955, um bloco de contraposição à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), há tempos desafia os analistas em Relações Internacionais na busca de uma justificativa coerente para sua constituição, pois quando este foi fundado havia uma clara melhoria nas relações Leste-Oeste. Quais eram as expectativas da União Soviética diante da formação dessa nova Organização? Podemos considerá-la uma Organização Internacional ou meramente um instrumento de dominação hegemônica da União das Republicas Socialistas Soviéticas? É nisto que iremos nos ater ao longo deste trabalho, analisando sua história, seus objetivos, seus órgãos de funcionamentos e suas características estruturantes.


2. Desenvolvimento

A. Histórico
O Pacto de Varsóvia, fundado em 14 de maio de 1955 constituía uma aliança de amizade, cooperação e assistência mútua entre Albânia, Alemanha Oriental, Bulgária, Hungria, Polônia, Checoslováquia, Romênia e União Soviética, tendo como comandante nomeado Ivan S. Konev, um marechal soviético. O tratado foi criado como resposta ao surgimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), tinha como base o artigo 51 da Carta das Nações Unidas, e dizia-se um tratado regional para a garantia da segurança coletiva. Entra em vigor no dia 4 de junho de 1955, não em tempo de impossibilitar o ingresso da Alemanha Ocidental a OTAN.
Em 1956, na Hungria, o dirigente comunista Imre Nagy dirige uma revolta contra Moscou e anuncia a retirada de seu país do Pacto de Varsóvia. A URSS envia tanques para suprimir a revolta em novembro. Nagy é preso e, e em 1958, executado como traidor.
A Tchecoslováquia, quando tenta algo semelhante em 1968 durante o movimento reformista liderado por Alexander Dubček (secretário-geral do Partido Comunista Tcheco), episódio conhecido como a “Primavera de Praga” . A adoção de reformas desagradou a ala ortodoxa do Partido Comunista local, pois colocavam em risco os pressupostos sobre os quais os Partidos Comunistas vizinhos e o soviético erigiam sua hegemonia. Apesar de contar com amplo apóio popular, os reformistas são derrubados, quando em 20 de agosto de 1968, os tanques do Pacto invadem o país para “normaliza-lo” e “salvaguardar as conquistas do socialismo”, as tropas soviéticas continuaram a ocupar o país até 1989.
Com este episódio a Albânia, que já havia rompido com a URSS em 1961, deixa o Pacto. A Romênia não manifesta apoio a essa atitude de violação da soberania nacional.
Em Agosto de 1980, liderado pelo operário eletricista católico Lech Walesa , é fundado na Polônia o Sindicato Solidariedade, o primeiro independente e de oposição, num país comunista. É proscrito em 1981 por um golpe de Estado desferido pelo general Wojciech Jaruzelski, e passa a existir na clandestinidade.
Todos estes fatores acabam por provocar a instabilidade do Pacto. Em 1985, no mesmo ano em que Mikhail Gorbatchov assume a Secretaria-Geral do PCUS, os sete países membros se reúnem para renová-lo por mais 20 anos, mas a queda dos regimes comunistas no Leste, a partir de 1989, condena o sistema à dissolução.
A desburocratização do Leste europeu e os movimentos de independência nacional nas repúblicas do Báltico acabam por decretar em 31 de março de 1991 a extinção do Pacto de Varsóvia.

B. Objetivos

No imediato pós-guerra, a corrida armamentista entre OTAN e o Bloco soviético ocupava lugar de destaque na agenda internacional dos EUA e URSS, concomitantemente focos de tensão condicionados pela guerra fria nos vários continentes. Esse condicionamento também era visível no processo de descolonização onde, geralmente os “movimentos de libertação” recebiam a ajuda soviética.
A crise do bloqueio de Berlim consistiu na divisão da Europa em blocos geopolíticos antagônicos e na divisão da Alemanha em Estados integrados a esses blocos.
Durante a crise completou-se o processo de transformação da esfera de influência soviética no Leste Europeu num bloco de países-satélites. Nos Estados ocupados por tropas soviéticas, instalaram-se regimes de partido único, subordinados á Moscou.
O encerramento do Bloqueio de Berlim assinalou a inflexão definitiva da estratégia da contenção. Em sua formulação original, a contenção possuía, antes de tudo, um sentido econômico, e seu instrumento básico era a reconstrução da Europa Ocidental. As tensões desencadeadas pela crise adensaram o conteúdo militar da contenção, resultando na criação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
A idéia da construção de um pacto entre a URSS e os paises da Europa Oriental foi sugerida pelo Premier Checoslovaco Viliam Široký. Este argumentava que era importante criar um fórum de debates sobre segurança entre seu país, a Polônia, a Alemanha Oriental e outros que poderiam ser ameaçados pelas ações do Ocidente.
A entrada da Alemanha Ocidental na Otan, em outubro de 1954, serviu de pretexto para a criação do Pacto de Varsóvia. A aliança militar coordenada por Moscou possuía a mesma definição utilizada pela Otan. Entretanto, ao contrário da Otan que era uma aliança de vital importância para a dissuasão do arsenal nuclear americano, o Pacto de Varsóvia não foi constituído como organização de segurança coletiva, pois uma possível invasão americana no leste europeu não possuía sentido estratégico. A aliança estabelecida por Moscou objetivava a estabilização interna do bloco de países-satélites, e não para uma defesa frente a uma ameaça externa.
O verdadeiro motivo para a criação do Pacto de Varsóvia não foi o rearmamento da RFA, e sim a fragilidade política dos regimes comunistas nos países-satélites, derivada da carência de legitimidade social dos aparelhos partidários associados a Moscou, não podia ser resolvida na moldura das instituições nacionais. A solução foi a ancoragem dos estados do bloco soviético na aliança militar supranacional.
O pacto de Varsóvia representou a supressão dos resquícios de soberania dos países-satélites.
O fim da Guerra Fria teve uma importância central e condicionante para a política internacional, no entanto o fim da guerra fria não deve ser interpretado como um episódio e sim como parte de um amplo processo de mudanças. A queda do muro de Berlim e a queda da União Soviética, por exemplo devem ser vistos como um referencial importante, um divisor de águas e a confirmação de que o mundo começava a viver em uma nova época.

C. Características e classificação.

As características de uma organização internacional são:
• Personalidade jurídica;
• Vontade Própria;
• Permanência;
• Existência de uma estrutura própria;
• Fins específicos;
• Elemento Internacional;
Nesse aspecto podemos dizer que o Pacto de Varsóvia assume 5 desses pontos, ficando a questão da permanência em aberto já que no Tratado não há nenhum dispositivo que prevê a saída de seus membros.
As Organizações Internacionais podem ser classificadas como:
• Regionais ou universais;
• De cooperação ou integração;
• Técnica ou política;
• Pública ou privada;
O Pacto de Varsóvia foi criado com base no artigo 51 da Carta das Nações Unidas, segue abaixo:
“Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer momento, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.”

Portanto o Pacto de Varsóvia era um tratado regional que objetivava a garantia da segurança coletiva dos países signatários. Para isso os países membros do pacto estabeleciam consultas sobre problemas de segurança e questões políticas.
• O Pacto de Varsóvia pode ser classificado como:
• Regional: Participavam deles países comunistas do Leste europeu e Ásia.
• Integração Econômica: Já que contavam com apoio logístico do Conselho para Assistência Econômica Mútua (COMECON), formado pelos mesmos países do Pacto e posteriormente por paises socialistas como Vietnã, Coréia do Norte e Cuba.
• Política: Era um acordo de aspecto político de defesa mútua de seus componentes.
• Pública: Foi um pacto público, com a União Soviética como principal ator.

D. Órgãos e Funcionamento

A estrutura funcional do Pacto de Varsóvia foi elaborada baseada na estrutura de funcionamento da OTAN. Foi instituída uma base organizacional bastante simples pelo Estado Maior, juntamente com o Comando das Forças Armadas Unificadas, Comitê Consultivo Político e Órgãos Auxiliares do Comitê. Todos estes órgãos do tratado eram regidos pela Carta de São Francisco ou a Carta da ONU.
A organização central do Pacto de Varsóvia era sediada em Moscou que contava com a combinação do Estado maior com as Forças Armadas. Todas as decisões militares eram tomadas no âmbito deste órgão que contava com a seguinte estrutura:
• Comandante-chefe: designado pelos países membros, geralmente um marechal soviético que era o líder supremo do comando militar;
• Adjuntos do comandante: ministros da Defesa e outros chefes militares dos países membros, que eram encarregados do comando das Forças Armadas colocadas a disposição das Forças Armadas Unificadas pelos países membros.
• Estado maior das Forças Armadas: localizado juntamente com o comandante chefe.
As Forças Armadas estavam presentes em todo o território dos países membros e seu status dependia do tipo de acordo bilateral firmado com Moscou. De acordo com o artigo cinco da carta de fundação, eram submetidas ao comando de Moscou, ficando acordado desta forma: a garantia de reforço de sua capacidade defensiva, proteção e garantia o trabalho pacífico dos povos, garantia da integridade de suas fronteiras e territórios, além da garantia de defesa contra qualquer eventual agressão.
Se as Forças Armadas Unificadas regiam todo e qualquer assunto no âmbito militar, o Comitê Político Consultivo era responsável por questões gerais referente à consolidação da capacidade de defesa e organização das Forças armadas Unificadas, bem como a tomada de decisões adequadas, como por exemplo, a criação de tantos órgãos auxiliares quanto julgasse necessário.
Este Comitê foi instituído em Praga em janeiro de 1956 e contava com o Conselho de Ministros, formado por um membro de cada governo dos países signatários ou por um representante eleito por este governo. Segundo o artigo seis da carta de fundação foi criado com o objetivo de examinar as questões que surgiriam quanto à aplicação do tratado por seus países membros.
O Comitê Político Consultivo era o órgão mais importante dentro do Pacto de Varsóvia e realizava pelo menos duas reuniões ao ano, em que “limitava-se” em aprovar e propagar coletivamente as posições soviéticas sobre os problemas políticos e militares.
Os Órgãos Auxiliares do Comitê eram constituídos basicamente de dois órgãos:
• Comissão de Recomendações em Política Exterior: responsável pela aplicação e divulgação das decisões relacionadas à política exterior, elaboradas pelo Estado maior e o Comitê Consultivo Político.
• Secretaria Conjunta: sediada em Moscou e responsável pelos papeis burocráticos dos paises membros.
Além dos órgãos de caráter político-militar que foram fundados para fazer frente a OTAN, o Pacto de Varsóvia também contava com um órgão de caráter econômico, o COMECON. O Conselho para Assistência Econômica Mútua, se contrapunha ao Plano Marshall e o interesse de alguns Estados do Leste Europeu em aderir à proposta ocidental.
O COMECON visava a integração econômica de seus países membros, através da utilização de recursos disponíveis no Leste Europeu e direcionando a produção industrial dos países membros. Além da troca econômica e do apoio técnico, visando a assistência mútua no que diz respeito á matérias-primas, maquinário, entre outros.
O COMECON, em sua fundação foi denominado um órgão de cooperação, passando depois a ser designado como um órgão de integração.

D. Perspectivas

A perspectiva que foi criada entre os países formadores do Pacto de Varsóvia era basicamente atender as necessidades de segurança, enfraquecida frente à formação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em sua formação havia um comprometimento de assegurar defesa em caso de agressão externa, caso um dos membros fosse atingido os demais se envolveriam prontamente, como se atingidos diretamente. Contrapor-se à OTAN era de vital importância para garantir a sobrevivência dos países.
Essa perspectiva, no entanto, foi frustrada ao longo de sua formação. Logo o Pacto de Varsóvia se mostrou ineficaz em seus princípios. A União Soviética, grande potência militar, vencedora da segunda guerra mundial e líder no Leste Europeu, estruturou o desenvolvimento do Pacto como instrumento de consolidação de sua força política e militar, disciplinando seus membros. É possível observar duas fases, na primeira há uma clara tentativa de impor a hegemonia soviética e a segunda fase marca o declínio frente ao novo cenário internacional. O Pacto de Varsóvia teve fim juntamente com as ruínas do socialismo real: ideais contraditórios que se cruzaram na história.
Outro ponto importante a ser discutido leva em consideração o grau de envolvimento que os Estados Membros tiveram na Segunda Guerra Mundial. A assinatura do Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua foi em Varsóvia, justamente por ter sido o maior gueto judaico estabelecido pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra. Nos três anos de sua existência foi palco de fome, doenças, deportações para campos de extermínio e mortes. Ainda que visivelmente fragilizada, deu origem à primeira insurreição contra a ocupação nazista no Gueto de Varsóvia em 1943. A escolha de Varsóvia demonstra claramente o repudio dos países membros a atos inconseqüentes impostos pelas doutrinas de caráter eugenista dos nazistas na segunda guerra.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a queda do governo alemão e início da Guerra Fria, houve um processo de transformação da esfera de influência soviética no Leste Europeu, dando início ao bloco de países satélites. Onde havia ocupação soviética foram instalados regimes socialistas.
Após a morte de Stalin em 1953, Moscou defendeu a necessidade de legitimar sua influência na região, especialmente com a entrada da Alemanha Ocidental na OTAN. A busca era por uma estabilização interna, não para se defender de ameaças externas. Esse pode ser considerado o primeiro ponto de discórdia entre os países membros que viam a aproximação militar como meio de segurança coletiva. O desejo de garantir a liberdade logo teve fim com a mudança de conduta soviética, suas expectativas foram frustradas.
Nos anos seguintes multiplicaram-se as tentativas de reorganização da aliança, porém, a política de abertura econômica de Mikhail Gorbatchov na Rússia acelerou o processo de desintegração. Este fator, juntamente com as mudanças no cenário mundial, e a retirada das tropas soviéticas da Hungria e da Tchecoslováquia, desestruturou o Pacto.
Um fator que mostra a representatividade desse quadro foi a reunificação da Alemanha e sua permanência na OTAN. A fragilidade política do acordo foi corroborada com a sua dissolução assinada em Praga. Todos os países que fizeram parte do Pacto de Varsóvia integram atualmente a OTAN, com exceção da Rússia.


3. Conclusão

Nos confrontamos com duas teorias a cerca da criação do Pacto de Varsóvia. A primeira é que está era uma resposta à expansão da OTAN com a entrada da Alemanha Ocidental. A segunda é que a criação do Pacto permitiria aos soviéticos controlarem de forma mais “adequada” as disciplinas agitadas dos aliados da Europa Oriental, o que ficaria evidenciado nas revoltas ocorridas na Hungria, Tchecoslováquia e na Polônia.
A propósito do papel que está organização teve nas Relações Internacionais as contradições também são imensas, de um lado teóricos afirmam que as organizações têm vontade própria e outros afirmam que não existiria vontade própria e sim uma conformação das vontades dos Estados Membros, analisando o Pacto de Varsóvia e o papel preponderante da URSS os dois argumentos podem cair por terra, o que implicaria em dizer algo que não seria nenhum despropósito, que o Pacto de Varsóvia não foi uma Organização Internacional nos padrões estritos, se levarmos em consideração o que dizem os teóricos, já que esta não teria dois aspectos importantes de uma organização que é a vontade e a permanência (O tratado que concebeu o Pacto de Varsóvia não tem clausula de permanência).
Por fim, diante do esgotamento do modelo de Estado de seu membro mais proeminente o Pacto de Varsóvia foi tragado inexoravelmente pela mola mestra da história, tendo seu fim praticamente ao mesmo tempo em que URSS se dissolvia, deixando um legado que ainda será muito discutido pelos analistas das Relações Internacionais.



4. Referencias Bibliográficas

ASCHER, Nelson. Explosão do Leste. Folha de São Paulo. São Paulo, 10 mai 1998, Caderno Mais. p. 7.

Características das Organizações Internacionais. Nostrum Tempus. Disponível em: http://www.nostrumtempus.com/2007/01/caractersticas-das-organizaes.html. Acesso em: 03 Out 2008.

HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: O Breve século XX. São Paulo. Cia das Letras. 1995.

HOBSBAWN, Eric. O Ano em que os profetas falharam. Folha de São Paulo. São Paulo, 10 mai 1998. Caderno Mais. p. 5-6.

KOKOTOWSKI, Christa. 1991: Fim do Pacto de Varsóvia. Disponível em: http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,1531316,00.html. Acesso em: 04 out 2008.

KRASNER, Stephen. Blocos Regionais e o Fim da Guerra Fria. Revista Política Externa. Vol 1, n³ 3. Set 1992.

MASTNY, Voytech. The Soviet Union and the Origins of the Warsaw Pact in 1955. Parallel History Project on NATO and the Warsaw Pact. Mai 2008.

Modern History Sourcebook: The Warsaw Pact, 1955. Disponível em: http://www.fordham.edu/halsall/mod/1955warsawpact.html. Acesso: 26 Set 2008.




Anexo I

Tratado de amistad, cooperación y asistencia mutua

Las Partes Contratantes, reafirmando su aspiración de crear un sistema de seguridad colectiva en Europa, basado en la participación de todos los Estados europeos, con independencia de su régimen social y político, que les permitiría unir sus esfuerzos en el interés de asegurar la paz en Europa.

Teniendo en cuenta, a la vez, la situación creada en Europa por la ratificación de los Acuerdos de París, que preveen la formación de un nuevo grupo militar bajo la forma de "Unión de la Europa Occidental", con participación de una Alemania Occidental remilitarizada y con sus integración en el bloque nordatlántico, lo cual aumenta el peligro de una nueva guerra y crea una amenaza a la seguridad de los Estados amantes de la paz.

Convencidos de que en estas circunstancias los Estados europeos amantes de la paz deben tomar las medidas necesarias para asegurar su seguridad y promover el mantenimiento de la paz en Europa.

Guiándose en los propósitos y principios de la Carta de las Naciones Unidas, deseosas de fortalecer y desarrollar aun más la amistad, cooperación y asistencia mutua conforme a los principios del respeto a la independencia y soberanía de los Estados y de la no-intervención en sus asuntos internos; han resuelto concluir el presente Tratado de Amistad, Cooperación y Asistencia Mutua y con tal propósito han nombrado como sus plenipotenciarios: quienes después de haber presentado sus plenos poderes y hallarlos en buena y debida forma, han convenido en lo siguiente:

Art. 1 Las Partes Contratantes se comprometen, conforme a la Carta de las Naciones Unidas, a abstenerse en sus relaciones internacionales de recurrir a la amenaza o al uso de la fuerza y arreglar sus controversias internacionales por medios pacíficos, de tal manera que no se pongan en peligro la paz y la seguridad internacionales.

Art. 2 Las Partes Contratantes declaran que están prestas a participar en el espíritu de una sincera colaboración, en toda acción internacional que tenga por objeto asegurar la paz y la seguridad internacionales y que consagraran por completo sus esfuerzos a la realización de tal objetivo.

A ese efecto, las Partes Contratantes tratarán, de acuerdo con los otros Estados que deseen colaborar en esta obra, de que se adopten medidas efectivas para la reducción general de armamentos y para la prohibición de las bombas atómicas, de hidrógeno y otras de destrucción masiva.

Art. 3 Las Partes Contratantes se consultarán mutuamente sobre todas las cuestiones internacionales importantes que afectan a sus intereses comunes, con miras al fortalecimiento de la paz y la seguridad internacionales.

Las Partes Contratantes se consultarán inmediatamente cada vez que, en opinión de una de ellas, surja una amenaza de ataque armado contra uno o varios Estados Partes en el Tratado, a fin de proveer para la defensa colectiva y de mantener la paz y seguridad.

Art. 4 En cada caso de ataque armado contra uno o varios de los Estados Partes en el Tratado, por cualquier Estado o grupo de Estados, cada Estado Parte en el Tratado, en el ejercicio de su derecho de legítima defensa individual o colectiva, conforme al art. 51 de la Carta de la Naciones Unidas, prestará al Estado o Estados víctimas de tal ataque una inmediata asistencia, individualmente o por acuerdo con los otros Estados Partes en el Tratado, por todos los medios que considere necesarios, incluso el uso de la fuerza armada. Los Estados Partes en el Tratado se consultarán inmediatamente sobre la medidas colectivas necesarias para restablecer y mantener la paz y la seguridad internacionales. Las medidas tomadas de acuerdo con este artículo se comunicarán al Consejo de Seguridad conforme a las disposiciones de la Carta de las Naciones Unidas. Tales medidas quedarán sin efecto tan pronto el Consejo de Seguridad haya tomado la acción necesaria para el restablecimiento de la paz y la seguridad internacionales.

Art. 5 Las Partes Contratantes han convenido en crear un Mundo Unificado de las fuerzas armadas que se colocarán por acuerdo entre aquéllas bajo sus órdenes, actuando sobre la base de principios establecidos de común acuerdo. Tomarán así mismo, cualquiera otra acción concertada que se requiera para reforzar su capacidad defensiva, a fin de proteger el trabajo pacífico de sus pueblos, garantizar la integridad de sus fronteras y territorios y asegurar la defensa contra cualquier agresión eventual.

Art. 6 A los efectos de las consultas previstas en este Tratado entre los Estados Partes en el mismo y para examinar las cuestiones que surjan en el curso de su aplicación, se crea una Comisión Consultiva Política en la cual cada Estado Parte estará representado por un miembro del Gobierno o por otro representante nombrado especialmente.

Esta Comisión puede crear los órganos auxiliares que juzgue necesarios.

Art. 7 Las Partes Contratantes se comprometen a no participar en ninguna coalición y a no concluir ningún convenio cuyos propósitos estén en contradicción con los de este Tratado.

Las Partes Contratantes declaran que las obligaciones contraidas por ellas en virtud de tratados internacionales vigentes no son incompatibles con las disposiciones del presente Tratado.

Art. 8 Las Partes Contratantes declaran que se conducirán en un espíritu de amistad y cooperación con el objeto de promover un mayor desarrollo y fortalecimiento de los lazos económicos y culturales entre ellas existentes, conforme a los principios de mutuo respeto de su independencia y soberanía y de no intervención en asuntos internos.

Art. 9 El presente Tratado queda abierto a la adhesión de otros Estados, independientemente de su régimen social y político, que declaren su disposición a contribuir, participando en el presente Tratado, a la unión de esfuerzos de los Estados amantes de la paz para asegurar la paz y la seguridad de los pueblos.

Esta adhesión entrará en vigor con el consentimiento de los Estados Partes en el Tratado, una vez que los instrumentos de adhesión hayan sido depositados cerca del Gobierno de la República Popular de Polonia.

Art. 10 El presente Tratado queda sometido a ratificación y los instrumentos de ratificación se depositarán cerca del Gobierno de la República Popular de Polonia.

El Tratado entrará en vigor el día del depósito del último instrumento de ratificación. El Gobierno de la República Popular de Polonia informará a los otros Estados Partes en el Tratado del depósito de cada instrumento.

Art. 11 El presente Tratado permanecerá en vigor durante 20 años. Para las Partes Contratantes que un año antes de la expiración de este período no hayan enviado al Gobierno de la República Popular de Polonia una declaración denunciando el Tratado, permanecerá en vigor durante los 10 años siguientes. Caso de crearse en Europa un sistema de seguridad colectiva y en que se concluya con este objeto un Tratado general europeo sobre seguridad colectiva, a lo que tenderán invariablemente los esfuerzos de las Partes Contratantes, el presente Tratado perderá su fuerza desde el día de entrada en vigor del Tratado general europeo.

Hecho en 4 ejemplares: ruso, polaco, checo, y alemán, todos ellos igualmente auténticos. Copias certificadas del presente Tratado se enviarán por el Gobierno de la República Popular de Polonia a los otros signatarios.
En fe de lo cual los Plenipotenciarios han firmado y sellado este Tratado.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

TEORIAS DO MUNDO PÓS GUERRA FRIA

TEXTO 1: Polaridade na Teoria e na Prática

Márcio Moraes do Nascimento


O texto apresenta um esboço crítico de como pode ser encarada a atual estrutura internacional de poder, dando destaque para teoria da polaridade que é uma maneira tradicional e simples de entender as RIs.
Dentro desta teoria, destacam-se dois pontos na tentativa de compreensão da estrutura de poder: qual o efeito do comportamento do Estado nessa estrutura e quais as conseqüências de mudanças no grau de polaridade.
A polaridade apresenta pontos de intersecção com a teoria realista das Ris, porém não deve ser estabelecida sobre a lógica do realismo. Também pode ser relacionada com a visão gramsciana de hegemonia e a percepção globalista da relação centro-periferia.
Apesar do desafio atual da globalização, a polaridade é provavelmente ainda a maneira mais difundida de formulação dos fundamentos da estrutura global de poder descrita com freqüência como bipolar, unipolar ou multipolar.
Embora fosse implícita desde o pensamento de Thucydides - servindo também para explicar o sistema eurocentrista (a Pentarquia), seu uso explícito ocorreu somente durante a Guerra Fria. Após 1945 o conceito de polaridade se torna central no discurso das RIs.
Uma vez que se transformou numa maneira estabelecida de pensar, foi aplicada retrospectivamente na análise dos sistemas internacionais históricos.
A compreensão de que a estrutura internacional do poder era bipolar tornou-se dominante durante a década de 1970. Pareceu capturar todas as características principais que fizeram o período da Guerra Fria diferente dos anteriores. Em vez de diversas potencias, havia somente duas superpotências cuja guerra econômica e a política global de dominação foram reforçadas pela possessão de vastos arsenais de armas nucleares. Ao invés de variedade de divisões nacionais e ideológicas entre estados e povos, provocava uma divisão ideológica de alcance mundial entre o comunismo soviético e o mundo capitalista.
Argumenta-se que o fim da Guerra Fria acabou com a bipolaridade em dois sentidos: a destruição de uma estrutura de poder baseada em duas superpotências e a cessação de uma confrontação entre o totalitarismo comunista e o capitalismo democrático.
O colapso da União Soviética levantou a seguinte pergunta, o que virá após esse período? Uma nova versão de polaridade emergiria para definir a estrutura estratégica da política internacional ou a implosão da bipolaridade tinha destruído realmente a utilidade da idéia da própria polaridade?
Sem uma resposta concreta a isto a teoria neo-realista se viu com um problema de fundo e mesmo o pragmatismo do discurso político arriscara-se a perdurar sobre um conceito que distorceu mais do que explicou. A confusão sobre esta pergunta reinou por algum tempo. Havia somente três possibilidades:
1. O sistema poderia ser unipolar, comandado pelos EUA: único candidato a superpotência;
2. Poderia ser multipolar: Rússia. China, Japão e União Européia se equipariam aos EUA como grandes potências;
3. Ou podemos concluir que a polaridade tenha se tornado obsoleta: entusiastas da globalização defendem que esta já não é uma maneira eficaz de explicar a estrutura da política internacional.
As desvantagens deste tipo de interpretação passam pelo crivo da realidade. Quem avalia um cenário unipolar sob hegemonia norte-americana dá um crédito excessivo ao país que tem apresentado cada ano menos poder relativo, econômico e político. Apesar de manter o poder militar, que permitiu por algum tempo ações isoladas – ou com pouco apoio – o custo deste tipo de ação já pesa na economia em sua economia fragilizada. Por outro lado, a posição pela multipolaridade parece dar à Rússia, China, Japão e a UE mais peso do que realmente têm. Não conseguiram impedir nem política, nem econômica, e, menos ainda, militarmente ações unilaterais por parte da ex-superpotência.
O unilateralismo e as seguidas demonstrações do poderio militar dos EUA na Primeira Guerra do Golfo, na Iugoslávia, no Afeganistão e a invasão do Iraque aparentemente corroboram para a tese da unipolaridade. Embora os globalistas sustentem suas críticas, é de se pensar que a análise de um sistema mundo centro-periferia, com um núcleo capitalista desenvolvido dominando uma periferia menos desenvolvida, seja aplicável com a unipolaridade.
O 11 de Setembro e o conseqüente domínio dos “neocons” em Washington pronunciou uma mudança do caráter básico do ambiente de segurança internacional, isso tem reforçado a idéia que nós vivemos num mundo unipolar. Os ataques dos EUA e a guerra ao terrorismo internacional reforçam as inclinações deste ao unilateralismo.


Polaridade na teoria das relações internacionais


Durante a Guerra Fria, o debate acadêmico das RIs não se distanciavam da comunidade política em seu entusiasmo pela bipolaridade e o termo assim estabeleceu-se com sucesso ao lado da balança de poder e da dissuasão. A figura principal neste desenvolvimento foi Kenneth Waltz, que em uma série de trabalhos desenvolveu a teoria que se tornou o neo-realismo.
Embora o neo-realismo parecesse novo, e menos superficial, era de fato uma releitura de uma perspectiva clássica bem estabelecida do realismo na política mundial. O neo-realismo argumenta que as pressões da anarquia definem resultados independentemente da natureza humana ou dos regimes políticos domésticos. Esta tese se tornou dominante nas RIs nos anos 1980 e 1990 e, embora desafiados regularmente, permaneceu influenciando a maneira de pensar as RIs na ordem global contemporânea.
O fim da União Soviética se tornou um problema para a teoria que sugere ser a unipolaridade impossível. Para Waltz, significaria um desequilíbrio da balança de poder que operaria de forma a impedir o surgimento de um pólo único de poder. O neo-realismo vê a unipolaridade como improvável, instável e indesejável por causa do perigo de um governo imperial.
Ao perceber o sistema como inerentemente anárquico, Waltz prega a existência de, no mínimo, duas potencias balanceando o poder.

A teoria da estabilidade hegemônica (HST) poderia ser considerada uma teoria que corrobore com a unipolaridade. Seus interesses principais são sobre a estabilidade de ordens econômicas internacionais liberais, não considerando a balança de poder, enfatizando o papel do líder hegemônico. A unipolaridade nesta versão teve muitas qualidades positivas no sustento da economia global, porém, ironicamente o fardo da liderança hegemônica tenderia a minar seu poder o que desestabilizaria novamente o sistema.


A utilidade da polaridade


Para os acadêmicos, a polaridade possui duas fortes atrações como modo de pensar as relações internacionais. Primeiramente, torna esse conceito viável na análise diplomática da estrutura da política internacional, assim como se distância da lógica da política de poder das suposições conservadoras sobre a natureza humana. Em segundo, a polaridade oferece uma maneira real de simplificar as complexidades do dia a dia da política mundial.
Para os estudiosos, pensar nos termos da polaridade ocasionou um maior rigor cientifico para compreender as relações internacionais. Para o discurso da política pública ofereceu um ponto simples para que quase qualquer um seja capaz de entender as estruturas de poder mundial.
Mas como a polaridade serviu as aspirações da ciência social e da política? Nas ciências sociais, como a maioria das outras tentativas de criar nas RIs uma ciência dura, a teoria da polaridade não cumpriu as ambições daqueles que tentaram correlacionar formalmente com a estabilidade da guerra, da paz e do SI.
A literatura recente da paz democrática aponta para uma variável alternativa, não ligada à polaridade, que parece carregar significativamente a pergunta a cerca da guerra ou da paz. Em uma perspectiva macro-histórica a polaridade é uma proposição menos importante das mudanças estruturais, entretanto não impede que a polaridade seja interessante dentro de tempos históricos curtos.
A polaridade é atrativa como ponto de partida de uma analise teórica, pois estabelece uma maneira imediata de lógica relacional entre os jogadores da política internacional. Como notável, a polaridade não determina sempre resultados. Mas é um guia útil na compreensão da lógica das pressões e os imperativos que são inerentes em muitas situações, não apenas na segurança militar, mas também na diplomacia, nas instituições internacionais e na econômica. Por exemplo, sabendo da polaridade de um sistema pode se sugerir hipóteses sobre como balancear o jogo de poder.


TEXTO 2: Poder Americano no Século XXI

Diego Melo


O presente resumo tem como objetivo apresentar os pontos fulcrais do capítulo “Introduction: Whiter American Power?” dos autores David Held and Mathias Koenig-Archibugi, introdução do volume “American Power in the Twenty-First Century”, que reúne uma série de analistas do paradoxo do poder americano no século XXI como Robert Cooper, Michael Cox, Thomas Risse entre outros.
Poucas questões políticas hoje tendem a suscitar fortes e diversificados debates como o papel dos Estados Unidos da América na definição dos assuntos mundiais. A reação pós 11 de setembro, como as guerras no Afeganistão e no Iraque, intensificaram esses debates sobre a natureza e as perspectivas do poder americano, tão discutido nesse capítulo e apresentado por uma ampla variedade de pontos de vista sobre a profunda natureza, o impacto, bem como o futuro do poder americano.
As dimensões vão desde a comemoração dos EUA “realizações destinadas a pôr a liberdade, democracia e de prosperidade para todos os cantos do mundo”, até a “condenação de um império americano e a sua tentativa de impor um único sistema econômico e de um estreito conjunto de convicções morais sobre outros povos”.
Seja qual for à interpretação das causas e conseqüências das ações dos Estados Unidos em todo mundo, há uma concordância geral de que a história do século XXI será determinada, em grande medida, pela forma de como o poder americano é utilizado, e pela forma como os povos não-americanos reagem a isso.
O enfoque sobre a dimensão do poder enfatiza a uma projeção de possíveis cenários sobre o desenvolvimento do poder americano e suas implicações para a ordem internacional. Um mapeamento das diferentes concepções do poder torna-se um mecanismo útil para a introdução dos debates sobre o poder americano.
Em linhas gerais, dois tipos de mudanças podem ser concebidos em relação ao exercício de poder pelos Estados no sistema global. A primeira envolve mudanças a partir de conceitos como altamente centralizados e altamente difusos, ou seja, o confronto de uma situação em que a ameaça real e uso da força é realizado por um ator político somente e outra situação em que vários Estados participam ativamente na determinação de políticas mundiais e estão preparados para intervir militarmente no exterior.
O segundo tipo de mudança envolve uma dimensão em que o exercício do poder coercivo pode tornar o sistema internacional mais discricionário, livre de condições e não-limitado ou mais constitucionalizado, convergido em um sistema de regras e normas. O exercício do poder coercivo tornar-se-ia mais discricionário se as regras existentes sobre o uso da força fossem cada vez mais ignoradas ou impostas unilateralmente. A constitucionalização do poder coercivo significa, pelo contrário, que esse poder é exercido de acordo com regras precisas e vinculativas que são coletivamente acordadas pelos participantes do sistema.
Combinando essas duas mudanças do exercício de poder coercivo, envolvendo centralização e difusão e/ou sistema discricionário ou constitucionalizado, projeta-se possíveis cenários do sistema internacional em relação ao poder americano; 4 cenários são apresentados: um cenário de evolução no sentido de império; um sistema de equilíbrio de poder; um sistema de segurança coletiva; um governo com democracia global e a manutenção do status quo é colocado como uma hipótese.
Cada um destes cenários explora a trajetória da distribuição internacional de poder e uma constelação de diferentes oportunidades e custos.
No primeiro cenário, a ordem internacional do século XXI, será definida por duas tendências. A primeira é a tendência para uma maior concentração de recursos de poder nas mãos dos governos dos Estados Unidos. O atual departamento de Estratégia de Segurança Nacional dos EUA afirma que “as nossas forças serão suficientemente fortes para dissuadir adversários potenciais.” A América gasta em suas forças armadas mais do que 14 países combinados. Caso mantenha as tendências atuais, as despesas militares dos EUA serão iguais ao do resto do mundo em pouco tempo.
Muitos pensam da seguinte maneira “os Estados Unidos podem assumir os encargos da manutenção da segurança mundial sem ajuda da Europa – ou de qualquer outro país”. A segunda tendência, neste cenário, é uma vontade cada vez maior de tomar decisões baseados no uso da força desrespeitando as normas e procedimentos internacionais – da mesma maneira que a atual administração Bush.
A Carta das Nações Unidas e outros documentos jurídicos internacionais tornam-se mais e mais irrelevantes pelos tomadores de decisões americanos. Além disso, os benefícios das alianças tradicionais como a OTAN já não podem ser considerados suficientes para compensar o custo em termos de autonomia, flexibilidade e rapidez da ação.
Um influente grupo de políticos e analistas acredita que os EUA devem utilizar suas capacidades superiores para reformular a ordem internacional em consonância com os valores e interesses americanos, referidos como “neoconservadores”, eles não aceitam o princípio da soberania como um obstáculo externo para a intervenção, promovendo um “regime de mudanças” nos estados “malfeitores”. Os Estados Unidos terão por objetivo não só ser a polícia do mundo, mas também o legislador e o juiz.
Isso equivaleria a uma desconstitucionalização da ordem internacional. A combinação entre a centralização do poder em um Estado e a ausência de constrangimentos institucionais é uma marca distintiva das ordens imperiais. Alguns neoconservadores falam abertamente sobre a construção de um império americano – um “benigno” império que promove a liberdade, a democracia e a economia de mercado em todo mundo. Porém o autor El-Affendi analisa criticamente essa situação e escreve “O que vemos aqui é a impotência do poder, na sua espetacular e paradoxal manifestação”.
No segundo cenário, o sistema internacional direciona a um sistema multipolar e equilíbrio de poder. Pouco depois do fim da Guerra Fria, alguns estudiosos previam o fim do sistema internacional bipolar levaria a uma reconfiguração das alianças e alinhamentos já existentes. Duas tendências produziriam o surgimento de um sistema multipolar e o equilíbrio de poder. Na primeira tendência, certo numero de Estados poderiam melhorar ou adquirir a capacidade de projetar forças militares. O exercício do poder coercivo se tornaria mais difuso. A segunda tendência é de que cada um dos pólos no sistema iria usar ou ameaçar usar a força com maior discrição. Por isso a Carta das Nações Unidas, como no cenário 1, torna-se obsoleta nesta ordem internacional.
O desenvolvimento do multipolarismo pode ser impelido por dois fatores. “Em primeiro lugar, a tentativa de estabelecer administrações imperiais por parte dos EUA em relação com outros países, podem suscitar preocupações, uma posição subalterna pode gerar reações anti-hegemônicas e o conflito eminente”. Outro fator são os concertos de poderes inseridos em cenários multilaterais contraponto a potência americana.
Cooperação é um tema chave desse cenário e a dedicação ao Soft Power, como salienta J.Nye. Ele afirma que esta seria a melhor forma de poder a ser utilizada pelos EUA para manter a sua predominância no cenário internacional.
No terceiro cenário um movimento para promover um sistema de segurança coletiva pluralista implica o desdobramento dos dois processos. Em primeiro lugar, o exercício do poder militar torna-se mais descentralizado e a intervenção armada é cada vez mais plural, ao invés de uma ação preventiva e isolada dos EUA, por exemplo. Em segundo, lugar o poder militar torna-se mais constitucionalizado e tem bases em regras que são precisas, imparciais e juridicamente vinculativas. Porém as perspectivas são pessimistas por causa da atual orientação da política externa americana, baseada na “Doutrina Bush”, que objetiva primordialmente conseguir uma “dominância do mundo”. A criação de um sistema coletivo de segurança baseado e uma aliança duradoura entre liberais internacionalistas nos EUA, Europa e Japão e outros estados poderosos é improvável.
Rumo a uma democracia global é o quarto cenário colocando uma visão global organizada em torno de princípios que podem ser considerados democráticos. Avançar para tal forma de organização implicaria um processo de duas facetas: constitucionalização e centralização. A possibilidade de que o mundo pode estar se movendo em direção a uma política global organizada de acordo com os princípios democráticos é saudado com grande ceticismo pelos contribuidores pertencentes a várias tradições de análise.
Qualquer política global que possa surgir no futuro previsível seria simplesmente uma expressão do poder do Estado mais forte no sistema internacional, isto é, uma máscara de dominação imperial. Na interpretação realista do mundo da política, mais provável é a perspectiva de qualquer tentativa nesse sentido seria bloqueada por uma coligação de Estados que pretendem preservar sua independência. Autores marxistas salientam que a lógica da globalização capitalista mina uma democratização internacional. Outros autores defendem um “comunitarismo”. Alguns economistas alegam que a integração econômica internacional promove a desintegração política, em vez de políticas de integração, uma vez que grandes Estados já não são necessários para o bem da eficácia quando as atividades econômicas são cada vez menos limitadas por fronteiras estatais.
Os quatro cenários anteriores são baseados em argumentos sobre a importância relativa de várias forças políticas, econômicas e sociais. Algumas dessas forças apóiam a centralização do exercício do poder coercivo, enquanto outras forças impulsionam na direção oposta, apóiam a difusão. Do mesmo modo que algumas forças constituem promover a constitucionalização do poder, enquanto outras tendem a se tornar mais discricionárias. Uma hipótese a ser colocada é a continuação do status quo dos EUA, desfrutando um elevado grau de estabilidade e supremacia militar.
Os ensaios neste volume analisam e debatem a natureza do poder americano no século XXI. Embora não haja consenso sobre o que poderia ou deveria acontecer com o papel dos EUA no mundo, a hegemonia americana vai continuar a despertar intensas paixões e discussões.



TEXTO 3: Repensando as definições – superpotências, grandes potências e potências regionais

Fillipe Martins


A dificuldade teórica de classificar os estados em potências se mostra evidente na teorização das variantes – realistas, neo-realistas, idealistas – que formulam suas análises em determinados períodos históricos e analisa os fatos à luz de suas conseqüências, às vezes conjunturalmente e outras estruturalmente.
Tais teorias também estabelecem status de conjunto no sistema internacional para o estudo das relações entre os estados: multipolaridade, bipolaridade e unipolaridade.
Um sistema multipolar aconteceria quando vários estados têm certo reconhecimento em termos de potencial de influência, tanto em sua região quanto em todo o sistema. O exemplo, no caso da multipolaridade, é o período pré-primeira guerra mundial, quando as forças estavam relativamente balanceadas entre 9 estados com reconhecimento de potências.
A classificação bipolar aponta momentos em que os atores no cenário internacional conferem a duas potências o caráter de supremacia no quadro das relações internacionais. Esta supremacia é caracterizada não só por vastos territórios, grandes populações e poder de influência, mas também por característica possessória de armamentos nucleares. O período pós-segunda guerra foi de fundamental importância para os analistas tanto realistas como neo-realistas, que viam na balança de poder a essência do equilíbrio do sistema internacional.
A unipolaridade se dá no contexto do pós-guerra fria, e no descrédito das teorias neo-realista e realista, acusadas de não preverem a queda da URSS e o deslocamento do poder para um só estado. Os EUA nos anos 1990 se mostravam aos otimistas como o resultado do predomínio da democracia capitalista, que libertaria o planeta e se faria hegemônico ad eternum. Porém, a emergência de potências econômicas desde os anos 1970 (Japão e Alemanha), e nos anos 80 e 90 da China e da Índia, alavancaram novas possibilidades de um quadro teórico que não mais seria balizado por hegemonia nuclear, mas por potencial de comércio e influência em suas regiões (potencias regionais) e, com o passar, do tempo globalmente.
O retorno a um status global que coloca os estados em relativo grau de multipolaridade no ambiente internacional ainda é incerto.
A pressão dos EUA pela preservação do status social interno de consumo causa desequilíbrio no cenário internacional por sua capacidade bélica e de ataque preventivo em busca de recursos à manter sua hegemonia.
Mas a multipolaridade emerge de estados que se desenvolvem, e vêm se desenvolvendo à margem dos atores centrais. Uma vez que as características para se reconhecer uma potência média, ou grande, são medidas exogenamente, estados como Brasil, Índia, China, África do Sul e Rússia têm pouca chance. Mas a Comunidade Européia e o Japão são cada vez mais fortes no cenário internacional, e pressionam a hegemonia dos EUA.
Assim, a teorização acerca de superpotências, bipolaridade, potências, multipolaridade e potências regionais tende ainda a ser utilizada para proporcionar a compreensão do novo cenário mundial do séc. XXI.


TEXTO 4: O Brasil no mundo – conjecturas e cenários

Mariana Moura


Tomando como base os fundamentos teóricos e metodológicos do projeto “Brasil: O país no Futuro”, VELASCO E CRUZ e SENNES apresentam reflexões sobre as características do sistema internacional, presente e futuro, assim como buscam esquadrinhar as possibilidades de relacionamento entre os países depois do desmantelamento econômico e político da União Soviética.
A primeira característica que interfere no cenário é a posição da potência central do sistema capitalista. Segundo os autores, do ponto de vista econômico, os Estados Unidos da América (EUA) padecem de um “baixo nível de poupança” e de um “grau muito elevado de endividamento (público e privado)”. Esta fragilidade levanta questões sobre sua capacidade de manutenção da hegemonia. Apesar de ainda possuir supremacia militar, suas armas (nucleares) não podem ser empregadas e o custo social de exercer tal supremacia já não é aceito pela sua própria sociedade.
A segunda característica seria a construção e desenvolvimento da União Européia. A questão levantada, desta vez, é até que ponto a heterogeneidade desestabiliza a unidade com a qual a comunidade poderia fazer face ao poderio norte-americano.
No campo asiático, a China cresce e já é a segunda maior economia do mundo. Para os autores, o crescimento pode não se sustentar em função de “distorções (...) que a condenariam a se debater em grave crise econômica em prazo breve”. A potência tem que lidar ainda com a interferência norte-americana em questões internas e de defesa militar.
Além destes três elementos, outros são ainda apontados como influenciadores do SI: Rússia, Oriente Médio, Índia e Irã.
A partir da nova realidade observada, os autores iniciam a construção dos possíveis cenários futuros avaliando sua possibilidade de se realizar:
a. MAIS PROVÁVEL: Desconcentração conflituosa – em que a hegemonia norte-americana se vê pressionada pela ascensão dos outros atores nas diversas instâncias de relacionamento entre os países. Como resultado, as tensões internacionais crescem e o desenvolvimento econômico diminui no geral, com exceções pontuais como América do Sul.
b. DESEJADO: Multipolaridade benigna – em que os Estados Unidos da América abrem mão da hegemonia, dividindo crescentemente as responsabilidades do equilíbrio do sistema. Caso se confirme, os autores prevêm redução das possibilidades de guerra, crescimento econômico em escala planetária e aumento de poder das instituições internacionais de intermediar acordos.
c. CONTRASTANTE 1: Unipolar consolidado – os novos atores de peso não conseguem se equiparar à superpotência, que mantém a hegemonia sobre o sistema. As instituições internacionais perdem importância nas decisões, crescem tensões militares e possibilidades de guerra
d. CONTRASTANTE 2: Liberal cosmopolita – a gestão compartilhada dos assuntos internacionais reduz margem nacional de decisão em assuntos internos. A “comunidade” internacional determina consensualmente atitudes e políticas. Fortalecimento das ONGs e integração regional são cenários de alta probabilidade.

O Brasil no mundo

De acordo com estas análises, segundo os autores, o Brasil deve tomar iniciativas internacionais a depender de qual cenário se mostrar mais realista.


CONCLUSÃO


A teoria da polaridade surgiu para explicar o mundo pós-segunda guerra mundial, em que pólos de poder se tornaram aparentemente claros e as hegemonias sobre o sistema eram sentidas de forma muito nítida pela população em função de maior cobertura da mídia.
A simplicidade da explicação do mundo arrebatou estudiosos de Relações Internacionais mas seu defeito é fundamentalmente este. Enquadra relações complexas em um esquema metodológico linear. Poucas variáveis definem as análises e as contradições inerentes à evolução das sociedades humanas são esquecidas em prol de uma falsa estabilidade, que só se configura, de acordo com tal teoria, sob a hegemonia, no caso, de uma potência capitalista.
Impulsionados por tal tese, a da estabilidade hegemonia de superpotência, os norte-americanos se arvoraram no direito de patrulhar o mundo. E o fazem, obviamente, e acordo com seus próprios interesses, como qualquer nação o faria, e ao custo da liberdade e recursos de outros povos.
A reação a isso não tardou. As nações tolhidas de soberania – um princípio das relações entre os países – pela dominação econômica, militar e ideológica pressionam cada dia mais pelo direito de decidir seus destinos.
Assim, a “balança de poder” tende a se romper inevitavelmente. A formação de blocos primeiro econômicos, e, agora políticos e sociais, nada mais significa do que tentativas nesta direção.
A busca por explicação do mundo domina o imaginário humano desde a formação das sociedades, mas a simplificação em esquemas metodológicos com premissas unilaterais, que só observam um ponto de vista, não resiste a uma análise mais acurada.


Teses equivocadas


O fim da guerra fria, com o colapso da URSS, levou e leva a várias tentativas teóricas de se prever o cenário que se desenrolará nas relações internacionais.
Entre as que mais se destacaram foram as da “utilidade decrescente da força militar”, a da “ampliação dos espaços comunitários e de cooperação”, a do “sistema unipolar”, a do “concerto global” e a do “revigoramento das Nações Unidas” que, no geral, significam mais uma vontade de realização do cenário por parte do teórico do que necessariamente a realidade.
Assim como qualquer cenário, o mais provável para o teórico é normalmente aquele que deseja ou pensa que irá se concretizar. Independente da vontade dos autores, os cenários vislumbrados pelos estudiosos das relações internacionais só se concretizam a depender da ação dos atores envolvidos. A necessidade de força militar depende obviamente dos interesses das nações, assim como a cooperação.
As transformações do cenário internacional pós-guerra fria nos remete a possibilidades de contextos tanto estruturais quanto conjunturais. A preponderância dos EUA não pode ser tão efetiva quanto antes em função de seu astronômico endividamento externo e interno, o débâcle do seu poder ideológico e seu conseqüente descrédito como mantenedor da paz internacional. Assim como a “unipolaridade” militar perde força com o despontar de economias e blocos econômicos que tentem fortemente a refutar o poder dos EUA, vide Alemanha (CE) e Japão.
As potências regionais se fortalecem e buscam reunir coesão para obter nos organismos internacionais papéis mais relevantes e de direito, uma vez que o direito internacional existe e rege os estados; ou ao menos assim deveria.
A ascensão de potências regionais, blocos econômicos mais homogêneos, movimentos sociais que buscam pressionar a ordem econômica vigente, as próprias dificuldades de recriação do capitalismo na tentativa agonizante de continuar imperando abrem espaço para novas formas de cooperação multipolar, distribuídos entre grandes potências, potências e potências regionais que buscam sua inserção no cenário internacional de forma a equilibrar e tornar possível a continuidade da história.
O fortalecimento e respeito pelas instituições internacionais por parte dos estados, a multipolaridade e o fim da ideologia unipolar imperial, a busca constante da participação dos estados na implementação de regras internacionais para o equilíbrio do sistema e o respeito à soberania são caminhos a perpetuação de um contexto estrutural que a sociedade pode vir a ter.

A GLOBALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A ORGANIZAÇÃO EM REDE

No contexto atual, os movimentos sociais passam a formular novas maneiras de atuação, na busca de denunciar os pontos negativos e excludentes das políticas da globalização neoliberal. Disso resultou o surgimento dos movimentos sociais globalizados e das redes de movimentos sociais, que mesmo com nuances de ênfase programática, apresentam basicamente as seguintes proposições : 1) direitos humanos, ambientais e sociais; 2) fortalecimento da democracia representativa e participativa;3) equidade (por uma nova ordem econômica internacional; 4) sustentabilidade sócio ecológica; 5) prosperidade como resultado da satisfação das necessidades humanas e ambientais, e 6) controle da especulação e da ganância do capitalistas.
As redes de movimentos sociais retomam a conceituação de solidariedade internacionalista e reciprocidade como afirma o sociólogo português, Boaventura de Sousa Santos, criando um novo internacionalismo, diferente das estruturas rígidas das organizações sociais do século XX.
As redes se utilizam das mesmas “armas” da globalização corporativa, na tecnologia da informação e comunicabilidade, no entanto com outro enfoque, na busca de um contraponto as ações predatórias da globalização e na formação de nova consciência e fundamentos na formulação de uma estratégia altermundista.
As redes de movimento sociais atuam de forma disseminadora de seus propósitos na medida que seus questionamentos ganham um maior alcance, graças a utilização da tecnologia da informação, tendo como exemplo a revolta dos Zapatistas contra o governo do México, apesar de ter surgido numa localidade sem recursos, ganhou uma dimensão global na medida que o trabalho feito por ONG´s mexicanas e internacionais, reproduziram os pronunciamentos do Comandante Marcos, líder do Exercito Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) através da internet.
Essa lógica de atuação foi fundamental para a organização das manifestações de Seattle (1999), permitindo o estabelecimento de importantes alianças entre ecologistas, sindicalistas, anarquistas, igrejas, grupos de defesa do consumidor e lideranças de ONG´s, advindas de diversos lugares do mundo, ocasionando na oportunidade uma mobilização surpreendente e um marco no enfrentamento das políticas hegemônicas do pensamento global financeiro.
Esse novo paradigma de movimento social tem as seguintes características (Arquilla & Ronfedt, 2001 apud Siqueira, C.E) :

“Organiza-se de forma policêntrica (muitos líderes ou centros de liderança), segmentar (composta por diferentes grupos) e em rede ideologicamente integrada... Os lideres deste movimento tendem a ser carismáticos ao invés de burocráticos (...) Tem flexibilidade, fluidez e autonomia. Os nós da rede estão em constante expansão e movimento e se comunicam pela internet de forma horizontalizada, tornando difícil a repressão das lideranças (...)Utiliza táticas de luta que incluem a blitz e a guerrilha estilo “enxame de abelha”, sobre objetivos negociados e pré-determinados e o ofuscamento entre ofensiva e defensiva(...) Desafia os limites e separações entre o Estado e a sociedade, o nacional e o internacional e tende a criar confusão entre os entes repressivos do Estado-Nação”

Cada parte da rede pode incluir um individuo, ou organização, podem estar interligados de forma firme ou não. Ainda podem existir maneiras mistas de organização incluindo redes horizontais e organizações verticalizadas, onde a estrutura burocratizada poderia ser apenas mais um nó da rede, portanto as redes de movimentos sociais assumem varias configurações e táticas de atuação.
Para se fazer uma analise da eficiência das redes de movimentos sociais Arquilla e Ronfeldt (2001), apontam cinco concepções vitais para o funcionamento destas: nível organizativo (o desenho organizativo): nível narrativo (a história que se conta): nível doutrinário (as estratégias colaborativas e métodos), o nível tecnológico (sistemas de informação); e o nivel social (os laços pessoais que asseguram lealdade e confiança mútua).
Portanto numa rede de movimentos de sucesso esses cinco níveis se articulam de forma interdependente, criando condições favoráveis às ações dos atores sociais que desempenharam o papel de fomentador e disseminador do ideário e das lutas altermundistas.
Com o surgimento do Fórum Social Mundial os movimentos sociais brasileiros acabam por assumir um papel de vanguarda ao terem a iniciativa de organizá-lo e no maior exemplo de como funcionam essas redes de movimentos sociais, como deixa explicitada um dos trechos de sua Carta de Princípios :

“Espaço aberto de encontro para o aprofundamento da reflexão, o debate democrático de idéias, a formulação de propostas, a troca livre de experiências e a articulação para ações eficazes, de entidades e movimentos da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo, e estão empenhados na construção de uma sociedade planetária orientada a uma relação fecunda entre os seres humanos e destes com a Terra” (Fórum Social Mundial, 2001).

A pluralidade de pensamento e a diversidade de movimentos inseridos na luta altermundista, mesmo que estas apresentem muitas vezes visões de ênfase ou enfoque diferentes, representa algo novo em relação a problemática dos efeitos negativos da globalização, expondo um novo ator na Ordem Mundial, até agora pouco estudado e contemplado pelas teorias das Relações Internacionais, até por está ser um fenômeno muito recente no contexto histórico mundial.

terça-feira, 17 de junho de 2008

A América Latina se Levanta

A AMERICA LATINA SE LEVANTA
Marcio Moraes do Nascimento[1]


Resumo: A América Latina vive um momento de transformações no seu contexto político, depois de décadas sob forte influencia do intervencionismo estadunidense das décadas de 1960 e 1970, o conseqüente apoio dos EUA aos regimes militares instaurados no continente e a adoção do paradigma neoliberal na década de 1990, observamos no inicio deste século um recrudescimento do sentimento antiimperialista no subcontinente e a ascensão dos movimentos populares e de governos de esquerda na região.


Palavras chaves: América Latina, Intervencionismo, Neoliberalismo, Esquerdismo

1 – América Latina o Quintal de Washington

Na década de 1960, observou-se na América Latina uma ampliação das intervenções do governo estadunidense na política dos paises latino americanos. Preocupados com a influência e repercussão dos feitos revolucionários desencadeados em Cuba sob a liderança de Fidel Castro, do mítico guerrilheiro Ernesto Che Guevara e suas teorias dos focos guerrilheiros. O Governo dos EUA apoiou diversos golpes militares que visavam afastar a ameaça esquerdista na região.
Em 1959 a vitima do intervencionismo estadunidense foi o governo de Jacobo Arbenz, na Guatemala, nacionalista apoiado pelos comunistas, implantou varias reformas de caráter popular bem como a expropriação de terras de empresas estadunidenses, a resposta de Washington veio através do apoio ao Golpe Militar liderado pelo Coronel Carlos Castilho, pondo fim ao governo de Arbenz.
A CIA era a principal braço do intervencionismo estadunidense, em Cuba patrocinou a invasão da Baía dos Porcos por exilados cubanos que se insurgiam contra o governo de Fidel Castro, a tentativa de levante resultou em humilhante derrota para os exilados e seus apoiadores estrangeiros.
No Brasil não foi diferente com o Golpe de 1964 , em diversas situações o Presidente dos EUA, Lyndonn Johnson, manifestou seu desconforto em relação ao governo de João Goulart que estaria se tornando uma ameaça, devido as tendências “comunistas” de seu governo, de acordo com a Carta Capital (2005, p. 25) — Acho que devemos dar cada passo que pudermos, estar preparados para fazer tudo que precisarmos fazer (...) Não dá para agüentar esse aí (Jango). Eu iria em frente e arriscaria um pouco.
Dias antes Lyndonn Gordon, embaixador dos EUA no Brasil recomenda ao Secretario de Defesa e Estado, Robert McNamara de acordo com a Carta Capital (2005, p. 25)
(...) que sejam tomadas medidas tão rápido quanto possível para preparar uma entrega clandestina de armas de origem não americana, para os apoiadores de Castello Branco em São Paulo assim que as necessidades forem conhecidas e os arranjos estiverem acertados.

Com a vitória dos golpistas e o Regime Militar consolidado, os EUA reforçou o apoio ao governo ditatorial brasileiro, inclusive com “adestramento militar” e o ensino de técnicas “revolucionarias” de tortura aos oficiais brasileiros engajados na perseguição à grupos opositores do regime.
No Chile tentou impedir a eleição de Salvador Allende, primeiro presidente marxista a chegar ao poder pela via eleitoral, com o insucesso tentou desestabilizar seu governo, e por fim apoiou o golpe militar de Augusto Pinochet que acontecera no dia 11 de setembro de 1973, o Presidente acaba cometendo suicídio, e o Chile afunda na ditadura sangrenta do General Pinochet.
Allende no Chile e Fidel Castro em Cuba transformaram a "América Latina em parede vermelha", escreveu anos depois Nixon nas suas memórias, justificando o empenho de Washington para intervir na região durante a Guerra Fria. Podemos afirmar que o intervencionismo é um elemento intrínseco do ” modo de vida americano”.

2- O Paradigma Neoliberal, ascensão dos movimentos populares, e dos governos de esquerda.

Encerrado o período ditatorial, a nova onda latino americana foi a ascensão do paradigma neoliberal no fim da década de 1980 e inicio dos anos 90, com seu programa de abertura econômica de bens e valores e privatizações de empresas estatais, teve como seus principais representantes os Presidentes: Carlos Menem (Argentina), Carlos Salinas (México), Alberto Fujimori (Peru), Carlos Andrés Peres (Venezuela), Fernando Collor e Fernando Henrique (Brasil).
A Argentina foi o país latino americano a se aprofundar nas reformas neoliberais de forma mais radical, seguindo a risca o receituário do Fundo Monetário Internacional, porém anos mais tarde a adoção dessa política resultou em verdadeira catástrofe econômica, acarretando convulsão social e a derrubada de dois Presidentes da Republica (Fernando de La Rua e Adolfo Rodriguez Saá) em curto espaço de tempo. O Brasil trilhou o mesmo caminho a partir de 1990 com a posse de Collor, contudo esse caminho foi momentaneamente abortado depois de turbulências políticas decorrentes de processo de impeachment contra o Presidente Collor e retomado adiante no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
FHC levou a cabo um intenso programa de privatizações, como o do setor de telecomunicações, setor energético, quebra do monopólio estatal do petróleo, e a adoção de um programa de estabilização econômica segundo os moldes da cartilha neoliberal, corte de gastos governamentais, aumento da taxa de juros, arrocho salarial, abertura dos mercados ao capital financeiro e a globalização da economia de forma submissa e dependente.
Logo as conseqüências nefastas deste modelo vieram à tona, ocasionando baixo crescimento econômico, desemprego, aumento da pobreza e das desigualdades sociais, enquanto entre 1960 e 1979 o crescimento da renda per capita foi de 80% na média dos paises latino americanos, no período de 1980 à 1999 o crescimento foi de 11% ,desempenho inferior ao registrado no período da Grande Depressão.
De acordo com Castells (2002: 288)
A capacidade instrumental do Estado-Nação está comprometida de forma decisiva pela globalização das principais atividades econômicas, pela globalização da mídia e da comunicação eletrônica e pela globalização do crime.
Já no fim da década de 90, movimentos populares como o Movimento dos Sem Terra (Brasil) e o Exercito Zapatista de Libertação Nacional (México), começam a conquistar espaço e destaque, se integrando cada vez mais aos movimentos antiglobalização que sacudiram o mundo a partir da reunião da OMC em Seattle (1999), onde milhares de manifestantes enfrentaram as forças repressivas do capitalismo mundial, em pleno território estadunidense. Em 2001 surge o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, um contraponto ao Fórum Econômico de Davos (Suíça), reunindo diversas agremiações de esquerda e antiglobalizantes na busca incessante de um novo paradigma, o que fica expresso em seu slogan “Um outro mundo é possível”, coincidência ou não a partir daí, assistiremos a uma reviravolta no contexto político da região, primeiro com a chegada de Hugo Chávez do MAS (Movimento ao Socialismo) a presidência da Venezuela em 1999 e sua declarada Revolução Bolivariana, é claro que a “terra da democracia e da liberdade”, sente-se ameaçada com a retórica revolucionaria de Chávez, pois a Venezuela é um dos maiores exportadores de petróleo para os EUA. Com o Golpe de Estado de abril de 2002 contra o governante venezuelano, Washington não consegue disfarçar sua satisfação já que apoiara “veladamente” como de costume a derrubada do presidente, porém para surpresa do imperialismo estadunidense, da oligarquia local e do capital financeiro, Chávez retorna imediatamente ao poder, graças ao apoio Popular e do Exercito, impondo uma fragorosa derrota aos interesses estadunidenses. Desde o fracasso da invasão da Baía dos Porcos os EUA não amargavam um fracasso tão retumbante na América Latina.
Em 2002 é a vez do Brasil se tornar a fonte de esperanças da esquerda mundial, graças a chegada de Luis Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores a presidência do país, é claro que a ditadura do mercado financeiro tentou impor a eleição do candidato situacionista José Serra (PSDB). A histeria dos mercados era tamanha que a cada pesquisa indicando a vitória do candidato oposicionista, suscitava as mais desvairadas ondas especulativas, causando a disparada da cotação do dólar, a queda do Índice Bovespa e aumento do risco-país, entretanto a crise é logo aplacada, devido ao rebaixamento programático do Partido dos Trabalhadores e a confecção da “Carta aos Brasileiros”, onde o PT se comprometia a obedecer os contratos vigentes, negando qualquer tipo de ruptura, como uma aventada declaração de moratória da dívida externa.
A mudança de rumo político na América Latina causou alarde em setores ultraconservadores do Partido Republicano estadunidense, houve quem enxergasse a formação de um “eixo do mal” marxista na região, formado por Fidel Castro, Hugo Chávez e Lula.
Quase ao mesmo tempo chega ao poder na Argentina, Néstor Kirchner, do Partido Justicialista (Peronista) ex-membro da Juventude Peronista, braço político dos Montoneros, grupo guerrilheiro de esquerda que aderiu ao peronismo e foi destroçado pela ditadura do período 1976-83. O governo implementa mudanças na economia argentina, renegocia dívidas com os credores internacionais, com o FMI, adota medidas protecionistas. Tais medidas geram atritos comerciais entre os países do Mercosul, principalmente com o Brasil, as medidas se mostram eficientes, Kirchner atinge grande popularidade e a Argentina experimenta período de forte recuperação econômica.
Claramente a ascensão desses governos acabam por atrapalhar as pretensões estadunidenses em relação à implementação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), proposta pelo ex-presidente Bill Clinton em 1994 e com previsão da assinatura dos acordos entre os países membros do bloco econômico em 2005, as negociações emperraram, principalmente devido a negativa do governo dos EUA em derrubar os subsídios dados aos produtores agrícolas do país. Ultimamente os EUA prioriza a assinatura de acordos bilaterais, entretanto fica difícil imaginar uma ALCA sem as três maiores economias da América do Sul: Brasil, Argentina e Venezuela.
Nas palavras de Ali ( 2003, p. 61).

A ALCA não serve aos latinos é um importante passo que os EUA dão para controlar e organizar certas partes do mundo, a fim de vender melhor os seus produtos. Esse tratado comercial não serve à população da América Latina: ajuda apenas empresários e agricultores americanos. Veja o México, por exemplo: o país não consegue se quer fazer um acordo com os EUA sobre a imigração mexicana lá. E tome NAFTA.

O Chile país mais estável da América Latina não fica fora da onda progressista, já era governado pelo socialista Ricardo Lagos, seu governo alcança grande hesito, alçando sua ex-Ministra: Michelle Bachellet da Consertácion (aliança entre socialistas e democratas-cristãos) a Presidência da Republica, primeira mulher a governar o país, ex-prisioneira política da ditadura de Augusto Pinochet (seu pai Alberto Bachellet um General da Força Aérea se posicionou contra o Golpe Militar de 1973, foi preso e torturado pelo regime de Pinochet, acabou morrendo na prisão). É impressionante ver numa sociedade onde o conservadorismo católico impera, uma mulher, divorciada, agnóstica e socialista chegar ao poder, como ela mesmo diz “Tenho todos os pecados juntos”.
A onda esquerdista na América Latina traz grandes novidades, no cenário político, como por exemplo: o protagonismo cada vez maior da população indígena, em paises como Peru, Equador e Bolívia, grupos estes que sempre permaneceram à margem do processo político destes paises.
No equador os movimentos indígenas apoiaram a eleição de Lucio Gutierrez em 2002, governo que acabou em malogro, pois não cumpriu suas promessas de mudanças, e acabou sendo derrubado pelos próprios movimentos que o apoiaram. Hoje os movimentos indígenas preparam o lançamento da candidatura de Luis Macas (Movimento Político Pachakutik), seu principal líder a eleição de outubro, para que este siga o exemplo da Bolívia de Evo Morales, primeiro indígena a ser eleito presidente de seu país.
Evo Morales do MAS (Movimento ao Socialismo) surpreendendo os analistas políticos ganha a eleição para Presidência da Bolívia em primeiro turno. Cumprindo o que havia prometido na campanha eleitoral atende a principal reivindicação de seus apoiadores: a nacionalização do gás boliviano, causando furor na comunidade internacional, indignação nos setores reacionários e proclamado como novo herói da esquerda latino americana.
Nas palavras de Mészaros (2006, p.1).

A fase de dominação semicolonial dos Estados Unidos sobre a América Latina está sendo derrotada em todo o continente. A necessária solução passa pela formação de uma ‘estrutura unificada’, que surgiu com Bolívar no horizonte histórico da América Latina há quase dois séculos.

Por fim, cabe salientar a vitória do socialista Tabaré Vasquez no Uruguai, rompendo uma polarização histórica entres os direitistas: Partido Colorado e Blanco, mesmo na Colômbia onde o aliado incondicional dos EUA, Álvaro Uribe foi reeleito, houve um acréscimo substancial na votação do candidato das esquerdas, e no Peru o recém eleito, o social-democrata Allan Garcia aponta como modelo para seu governo o Presidente Lula e a Presidente chilena Michelle Bachellet. Outro fato extremamente importante é que pela primeira vez um candidato apoiado pelos EUA foi derrotado na eleição para a Secretaria-Geral das Organização dos Estados Americanos (OEA), a candidatura do chanceler mexicano Luiz Ernesto Derbez, apoiada por Washington foi obrigado a se retirar da disputa, dando a vitória para o ex-Ministro do Interior do Chile, José Miguel Insulza, apoiado ostensivamente pelo Brasil e pela Venezuela.
A América Latina aguarda com expectativa os próximos passos, principalmente a eleição brasileira a qual o Presidente Lula aparece como favorito nas pesquisas de intenção de votos ao pleito de outubro, e a eleição presidencial do México, uma vez que o oposicionista Manuel López Obrador aparece com chances reais de chegar a Presidência.
Mesmo com percalços e atritos entre os novos governantes latinos, fala-se muito na divisão das esquerdas, de um lado a pragmática: (Lula, Bachellet, Vasquez) e do outro a populista (Chaves, Evo Morales, Kirchner), a atual febre esquerdista na América Latina, demonstra um esgotamento das políticas adotadas nas ultimas duas décadas na região e um apontamento em direção a governos comprometidos com uma inserção soberana das economias do continente, melhor distribuição de renda, fim das desigualdades sociais, de gênero e racial.


[1] Aluno de Graduação do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
Referências Bibliográficas


AGENCIA CARTA MAIOR. III Fórum Social Mundial. Entrevista Tariq Ali, São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.

ARBEX Jr, José, Guerra Fria: Terror de estado, política e cultura, São Paulo: Moderna, São Paulo

AYERBE, Luis Fernando. EUA e América Latina: A construção da hegemonia, São Paulo: Unesp, 2002.

BENJAMIN, César. Nossa América. Caros Amigos, São Paulo, n. 108, p.12, abr. 2006.

CARMO, Marcia. Bachelet vence e será 1ª. Mulher a governar o Chile, Folha Online, São Paulo, 16 jan 2006. Disponível em: l. Acesso em 25 maio 2006.

CASTELLS, Manuel. A Era da Informação, Vol. 2: O poder da Identidade. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

CERVO, Amado Luiz, Relações internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas, Brasília: Ibri, 2001.

COSTA, Antonio Luiz M. C. Continente desgovernado. Carta Capital, São Paulo, n. 320, p. 30-32, maio. 2005.

JINKINGS, Ivana. Entrevista Istvan Mészáros. Agencia Carta Maior, São Paulo, 08 maio 2006. Disponível em: . Acesso em 31 mai 2006

SADER, Eder. Pelas sendas de Evo. Agência Carta Maior, São Paulo, 31 maio 2006. Disponível em: . Acesso em 01 jul 2006

A PROPRIEDADE INTELECTUAL NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: SUAS AMPLITUDES E LIMITAÇÕES

Diego Pereira Melo[1]

Márcio Moraes do Nascimento[2]

Paulo R. Meirelles[3]

Resumo: Pretendemos desenvolver neste texto questões pertinentes a utilização da propriedade intelectual, debater até que ponto pode-se estabelecer limites para a formulação de políticas que não estejam acima do interesse coletivo da sociedade civil por parte dos grandes laboratórios farmacêuticos.

Palavras Chave: Propriedade intelectual, patentes, biopirataria, responsabilidade social.

A propriedade intelectual é um direito que muitas constituições democráticas protegem, com leis que a regulam, estabelecem suas amplitudes e penalidades para quem a usurpá-la. Porém como pode-se estabelecer o mesmo direito de propriedade no âmbito internacional? Do outro lado, até que ponto esta propriedade pode ser quebrada em assuntos humanísticos, como remédios que possam resolver epidemias em países em processo de desenvolvimento econômico, ou senão grandes descobertas que possam resolver problemas regionais que afligem tantos países africanos, por exemplo. Qual é o limite da propriedade intelectual quando está entra em confronto com a resolução de crises seja esta de saúde, higiênica ou regional? Ou senão, qual é o limite da utilização de causas urgentes como meio de se quebrar a propriedade intelectual? Essa é uma questão que pretendemos debater ao longo do texto. Pilati (2008) diz que:

”...cumpre desenvolver as esferas política e jurídica adequadas para harmonizar os interesses entre o novo capital e sua virulência de um lado, e os interesses das coletividades prejudicadas, de outra parte. Não é justo nem ético, por exemplo, os grandes laboratórios permanecerem isentos de responsabilidade social perante a epidemia de SIDA ou AIDS.”

A regulação brasileira em relação a isso é recente. Nasceu junto com o acordo de TRIPS (Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights[4]), nas discussões sobre a implementação da Organização Mundial do Comércio (OMC). Estabeleceu regras e acordos dentro do país e estabeleceu acordos com países do Mercosul e da América do Norte. Regula que as patentes devem ser respeitadas por que infringi-las se encontra no mesmo patamar de quebrar uma propriedade privada, direito que é garantido nas constituições de muitos países.

Porém é neste aspecto que o grande debate demonstrado anteriormente se estabelece. No caso de uma descoberta de uma nova cura extraordinária para a AIDS[5], deve esta patente ser quebrada em nome do bem mundial e do coletivo? Há autores que estabelecem que o bem coletivo, a cura de doenças, a erradicação da pobreza deve estar acima de tudo, inclusive sobre o direito de propriedades. Do outro lado, há autores que são irredutíveis quando estabelecem que o conhecimento é uma propriedade inalienável. De acordo com Frank (2007):

Com quebras de patente, os laboratórios têm poucos incentivos para continuar aplicando recursos próprios em pesquisa para obtenção de remédios cada vez melhores. A justificativa do governo pode até ter um embasamento do ponto de vista humanístico, visto que mais pessoas terão acesso ao coquetel devido à queda no preço. Porém, as gerações futuras serão prejudicadas, já que não haverá empenho das empresas na busca de novas tecnologias para os remédios.”

Grandes laboratórios obviamente querem proteger seus lucros. Isso aliás é um ponto de análise de boa parte dos autores do tema. O estabelecimento de regras sobre a patente serviu de refúgio para que ocorresse um processo intenso de monopolização, Segundo Pochman (2006)

Conclamada aos quatro cantos do mundo como uma das principais novidades do século XXI, a chamada sociedade do conhecimento parece esconder aspectos pouco esclarecidos, capazes de impor uma nova fase de monopolização do saber e do seu uso público. Até agora, toma corpo fundamentalmente a concepção estrita da dinâmica dos negócios tendo em vista a enorme e crescente concentração dos investimentos em pesquisas e inovações nas 500 maiores corporações transnacionais do planeta”.

De acordo com analistas no setor de fármacos 97% dos investimentos em pesquisas estão concentradas no G-7, em função destes dados diversas organizações sociais estabelecem debate que questiona até que ponto as propriedades intelectuais se transformaram em elemento preponderante na construção de um novo mundo, seja este melhor ou pior que o atual.

Estas organizações acusam as autoridades nacionais e internacionais de colaborar para a monopolização do conhecimento.

Atualmente a Organização Mundial do Comércio é a maior responsável pela regulação estratégica da sociedade do conhecimento e pelo conseqüente estabelecimento de uma etapa de um novo ciclo de monopolização do conhecimento, somente uma reação organizada poderá barrar o crescente processo monopolistico.

Para muitos estudiosos do tema a monopolização fomentou a biopirataria. Está questão vem nos últimos anos ocupando amplo espaço na agenda das diversas organizações internacionais, englobando discussões sobre direitos dos povos indígenas e demais populações tradicionais neste ponto ocorre uma discussão sobre a preservação da biodiversidade[6].

Por ser inflexível em diversos pontos, é preferível se pagar um valor maior e se conseguir o produto ou descoberta de outros meios senão o oficial do que seguir a regulação.

Conclusão:

Concluímos que a pratica recorrente de regulação da propriedade intelectual deve obedecer critérios que leve em consideração questões de cunho humanitário e social, a vida do ser humano não pode ficar a reboque dos interesses das grandes corporações do setor farmacêutico. As instituições internacionais e os governos devem estabelecer mecanismos que sirvam de instrumento de salvaguarda aos interesses da coletividade.

Sempre quando for necessário os entes da sociedade internacional devem de forma rápida e continua proteger o bem maior que é a vida dos seres humanos, mesmo que isto signifique a quebra de “direitos” por parte dos detentores das patentes, o que se pode fazer é tentar desenvolver formas de compensação por parte dos setores governamentais que minorem os eventuais prejuízos que venham a se produzir quando uma patente é quebrada em nome da segurança e da viabilidade de políticas publicas que salvem ou amenizem problemas de ordem social ou humanitária.

Se assumirmos uma posiçao submissa em relação aos detentores dos recursos economicos, o conhecimento servirá somente para assumir novos elementos de exclusão e segregação social, somente as pessoas economicamente privilegiadas terão acesso aos beneficios do progresso cientifico. O apartheid social que poderá emergir desta situação se medidas não forem tomadas poderá alcançar um tamanho jamais visto na sociedade internacional.

Bibliografia:

ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta. “Informação, conhecimento e apropriação: notas sobre o significado econômico das patentes e os impactos da emergência de uma economia baseada no conhecimento”. 2000.

FRANK, Oscar. Externalidades positivas e quebras de patentes. Pensando em economia. Disponível em: http://pensandoemeconomia.blogspot.com/2007/08/externalidades-positivas-e-quebra-de.html Acesso em 04 jun 2006.

DÍAZ, Alvário, “TCL Y Propriedad Intelectual: Desafios de Política Pública”. Cepal, Oficina en Brasil,2006.

LOPES, Carlos.”Patente sempre foi a base da pirataria e do monopólio”. Link acessado em Maio de 2008. http://www.horadopovo.com.br/2005/abril/13-04-05/pag3a.htm

POCHMAN, Marcio. Era do acesso e monopólio do conhecimento. Agencia Carta Maior. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=2857. Acesso em: 03 jun 2008



[1] Aluno de graduação do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

[2] Aluno de graduação do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

[3] Aluno de graduação do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

[4]Direitos de propriedade intelectual relacionado com aspectos de comércio” N.do A.

[5] O governo brasileiro foi pioneiro na luta pela quebra de patentes de remédios usados para o tratamento da Aids. Com o programa que garante à população o acesso gratuito aos medicamentos que formam o coquetel retroviral, em vigor desde 1996, o governo tem um alto custo com a compra de tais medicamentos. Na ocasião, os Estados Unidos entraram com um pedido de investigação na Organização Mundial do Comércio (OMC) para analisar a legislação brasileira quanto à propriedade intelectual. Os norte-americanos acusavam o governo brasileiro de violar as leis de patentes de medicamentos ao estimular a produção nacional e a distribuição gratuita de remédios contra a Aids. Porém, com a evolução do caso, os EUA desistiram de contestar o Brasil na OMC.

[6] Falando no contexto da economia, o conhecimento tradicional utilizado ao uso de plantas medicinais, tem papel importante para as inovações da industria farmaceutica, ultimamente há uma verdadeira corrida para se obter o controle do conhecimento tradicional, tendo em vista o indice acelerado no crescimento do mercado de plantas medicinais e derivados.