terça-feira, 17 de junho de 2008

A América Latina se Levanta

A AMERICA LATINA SE LEVANTA
Marcio Moraes do Nascimento[1]


Resumo: A América Latina vive um momento de transformações no seu contexto político, depois de décadas sob forte influencia do intervencionismo estadunidense das décadas de 1960 e 1970, o conseqüente apoio dos EUA aos regimes militares instaurados no continente e a adoção do paradigma neoliberal na década de 1990, observamos no inicio deste século um recrudescimento do sentimento antiimperialista no subcontinente e a ascensão dos movimentos populares e de governos de esquerda na região.


Palavras chaves: América Latina, Intervencionismo, Neoliberalismo, Esquerdismo

1 – América Latina o Quintal de Washington

Na década de 1960, observou-se na América Latina uma ampliação das intervenções do governo estadunidense na política dos paises latino americanos. Preocupados com a influência e repercussão dos feitos revolucionários desencadeados em Cuba sob a liderança de Fidel Castro, do mítico guerrilheiro Ernesto Che Guevara e suas teorias dos focos guerrilheiros. O Governo dos EUA apoiou diversos golpes militares que visavam afastar a ameaça esquerdista na região.
Em 1959 a vitima do intervencionismo estadunidense foi o governo de Jacobo Arbenz, na Guatemala, nacionalista apoiado pelos comunistas, implantou varias reformas de caráter popular bem como a expropriação de terras de empresas estadunidenses, a resposta de Washington veio através do apoio ao Golpe Militar liderado pelo Coronel Carlos Castilho, pondo fim ao governo de Arbenz.
A CIA era a principal braço do intervencionismo estadunidense, em Cuba patrocinou a invasão da Baía dos Porcos por exilados cubanos que se insurgiam contra o governo de Fidel Castro, a tentativa de levante resultou em humilhante derrota para os exilados e seus apoiadores estrangeiros.
No Brasil não foi diferente com o Golpe de 1964 , em diversas situações o Presidente dos EUA, Lyndonn Johnson, manifestou seu desconforto em relação ao governo de João Goulart que estaria se tornando uma ameaça, devido as tendências “comunistas” de seu governo, de acordo com a Carta Capital (2005, p. 25) — Acho que devemos dar cada passo que pudermos, estar preparados para fazer tudo que precisarmos fazer (...) Não dá para agüentar esse aí (Jango). Eu iria em frente e arriscaria um pouco.
Dias antes Lyndonn Gordon, embaixador dos EUA no Brasil recomenda ao Secretario de Defesa e Estado, Robert McNamara de acordo com a Carta Capital (2005, p. 25)
(...) que sejam tomadas medidas tão rápido quanto possível para preparar uma entrega clandestina de armas de origem não americana, para os apoiadores de Castello Branco em São Paulo assim que as necessidades forem conhecidas e os arranjos estiverem acertados.

Com a vitória dos golpistas e o Regime Militar consolidado, os EUA reforçou o apoio ao governo ditatorial brasileiro, inclusive com “adestramento militar” e o ensino de técnicas “revolucionarias” de tortura aos oficiais brasileiros engajados na perseguição à grupos opositores do regime.
No Chile tentou impedir a eleição de Salvador Allende, primeiro presidente marxista a chegar ao poder pela via eleitoral, com o insucesso tentou desestabilizar seu governo, e por fim apoiou o golpe militar de Augusto Pinochet que acontecera no dia 11 de setembro de 1973, o Presidente acaba cometendo suicídio, e o Chile afunda na ditadura sangrenta do General Pinochet.
Allende no Chile e Fidel Castro em Cuba transformaram a "América Latina em parede vermelha", escreveu anos depois Nixon nas suas memórias, justificando o empenho de Washington para intervir na região durante a Guerra Fria. Podemos afirmar que o intervencionismo é um elemento intrínseco do ” modo de vida americano”.

2- O Paradigma Neoliberal, ascensão dos movimentos populares, e dos governos de esquerda.

Encerrado o período ditatorial, a nova onda latino americana foi a ascensão do paradigma neoliberal no fim da década de 1980 e inicio dos anos 90, com seu programa de abertura econômica de bens e valores e privatizações de empresas estatais, teve como seus principais representantes os Presidentes: Carlos Menem (Argentina), Carlos Salinas (México), Alberto Fujimori (Peru), Carlos Andrés Peres (Venezuela), Fernando Collor e Fernando Henrique (Brasil).
A Argentina foi o país latino americano a se aprofundar nas reformas neoliberais de forma mais radical, seguindo a risca o receituário do Fundo Monetário Internacional, porém anos mais tarde a adoção dessa política resultou em verdadeira catástrofe econômica, acarretando convulsão social e a derrubada de dois Presidentes da Republica (Fernando de La Rua e Adolfo Rodriguez Saá) em curto espaço de tempo. O Brasil trilhou o mesmo caminho a partir de 1990 com a posse de Collor, contudo esse caminho foi momentaneamente abortado depois de turbulências políticas decorrentes de processo de impeachment contra o Presidente Collor e retomado adiante no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
FHC levou a cabo um intenso programa de privatizações, como o do setor de telecomunicações, setor energético, quebra do monopólio estatal do petróleo, e a adoção de um programa de estabilização econômica segundo os moldes da cartilha neoliberal, corte de gastos governamentais, aumento da taxa de juros, arrocho salarial, abertura dos mercados ao capital financeiro e a globalização da economia de forma submissa e dependente.
Logo as conseqüências nefastas deste modelo vieram à tona, ocasionando baixo crescimento econômico, desemprego, aumento da pobreza e das desigualdades sociais, enquanto entre 1960 e 1979 o crescimento da renda per capita foi de 80% na média dos paises latino americanos, no período de 1980 à 1999 o crescimento foi de 11% ,desempenho inferior ao registrado no período da Grande Depressão.
De acordo com Castells (2002: 288)
A capacidade instrumental do Estado-Nação está comprometida de forma decisiva pela globalização das principais atividades econômicas, pela globalização da mídia e da comunicação eletrônica e pela globalização do crime.
Já no fim da década de 90, movimentos populares como o Movimento dos Sem Terra (Brasil) e o Exercito Zapatista de Libertação Nacional (México), começam a conquistar espaço e destaque, se integrando cada vez mais aos movimentos antiglobalização que sacudiram o mundo a partir da reunião da OMC em Seattle (1999), onde milhares de manifestantes enfrentaram as forças repressivas do capitalismo mundial, em pleno território estadunidense. Em 2001 surge o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, um contraponto ao Fórum Econômico de Davos (Suíça), reunindo diversas agremiações de esquerda e antiglobalizantes na busca incessante de um novo paradigma, o que fica expresso em seu slogan “Um outro mundo é possível”, coincidência ou não a partir daí, assistiremos a uma reviravolta no contexto político da região, primeiro com a chegada de Hugo Chávez do MAS (Movimento ao Socialismo) a presidência da Venezuela em 1999 e sua declarada Revolução Bolivariana, é claro que a “terra da democracia e da liberdade”, sente-se ameaçada com a retórica revolucionaria de Chávez, pois a Venezuela é um dos maiores exportadores de petróleo para os EUA. Com o Golpe de Estado de abril de 2002 contra o governante venezuelano, Washington não consegue disfarçar sua satisfação já que apoiara “veladamente” como de costume a derrubada do presidente, porém para surpresa do imperialismo estadunidense, da oligarquia local e do capital financeiro, Chávez retorna imediatamente ao poder, graças ao apoio Popular e do Exercito, impondo uma fragorosa derrota aos interesses estadunidenses. Desde o fracasso da invasão da Baía dos Porcos os EUA não amargavam um fracasso tão retumbante na América Latina.
Em 2002 é a vez do Brasil se tornar a fonte de esperanças da esquerda mundial, graças a chegada de Luis Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores a presidência do país, é claro que a ditadura do mercado financeiro tentou impor a eleição do candidato situacionista José Serra (PSDB). A histeria dos mercados era tamanha que a cada pesquisa indicando a vitória do candidato oposicionista, suscitava as mais desvairadas ondas especulativas, causando a disparada da cotação do dólar, a queda do Índice Bovespa e aumento do risco-país, entretanto a crise é logo aplacada, devido ao rebaixamento programático do Partido dos Trabalhadores e a confecção da “Carta aos Brasileiros”, onde o PT se comprometia a obedecer os contratos vigentes, negando qualquer tipo de ruptura, como uma aventada declaração de moratória da dívida externa.
A mudança de rumo político na América Latina causou alarde em setores ultraconservadores do Partido Republicano estadunidense, houve quem enxergasse a formação de um “eixo do mal” marxista na região, formado por Fidel Castro, Hugo Chávez e Lula.
Quase ao mesmo tempo chega ao poder na Argentina, Néstor Kirchner, do Partido Justicialista (Peronista) ex-membro da Juventude Peronista, braço político dos Montoneros, grupo guerrilheiro de esquerda que aderiu ao peronismo e foi destroçado pela ditadura do período 1976-83. O governo implementa mudanças na economia argentina, renegocia dívidas com os credores internacionais, com o FMI, adota medidas protecionistas. Tais medidas geram atritos comerciais entre os países do Mercosul, principalmente com o Brasil, as medidas se mostram eficientes, Kirchner atinge grande popularidade e a Argentina experimenta período de forte recuperação econômica.
Claramente a ascensão desses governos acabam por atrapalhar as pretensões estadunidenses em relação à implementação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), proposta pelo ex-presidente Bill Clinton em 1994 e com previsão da assinatura dos acordos entre os países membros do bloco econômico em 2005, as negociações emperraram, principalmente devido a negativa do governo dos EUA em derrubar os subsídios dados aos produtores agrícolas do país. Ultimamente os EUA prioriza a assinatura de acordos bilaterais, entretanto fica difícil imaginar uma ALCA sem as três maiores economias da América do Sul: Brasil, Argentina e Venezuela.
Nas palavras de Ali ( 2003, p. 61).

A ALCA não serve aos latinos é um importante passo que os EUA dão para controlar e organizar certas partes do mundo, a fim de vender melhor os seus produtos. Esse tratado comercial não serve à população da América Latina: ajuda apenas empresários e agricultores americanos. Veja o México, por exemplo: o país não consegue se quer fazer um acordo com os EUA sobre a imigração mexicana lá. E tome NAFTA.

O Chile país mais estável da América Latina não fica fora da onda progressista, já era governado pelo socialista Ricardo Lagos, seu governo alcança grande hesito, alçando sua ex-Ministra: Michelle Bachellet da Consertácion (aliança entre socialistas e democratas-cristãos) a Presidência da Republica, primeira mulher a governar o país, ex-prisioneira política da ditadura de Augusto Pinochet (seu pai Alberto Bachellet um General da Força Aérea se posicionou contra o Golpe Militar de 1973, foi preso e torturado pelo regime de Pinochet, acabou morrendo na prisão). É impressionante ver numa sociedade onde o conservadorismo católico impera, uma mulher, divorciada, agnóstica e socialista chegar ao poder, como ela mesmo diz “Tenho todos os pecados juntos”.
A onda esquerdista na América Latina traz grandes novidades, no cenário político, como por exemplo: o protagonismo cada vez maior da população indígena, em paises como Peru, Equador e Bolívia, grupos estes que sempre permaneceram à margem do processo político destes paises.
No equador os movimentos indígenas apoiaram a eleição de Lucio Gutierrez em 2002, governo que acabou em malogro, pois não cumpriu suas promessas de mudanças, e acabou sendo derrubado pelos próprios movimentos que o apoiaram. Hoje os movimentos indígenas preparam o lançamento da candidatura de Luis Macas (Movimento Político Pachakutik), seu principal líder a eleição de outubro, para que este siga o exemplo da Bolívia de Evo Morales, primeiro indígena a ser eleito presidente de seu país.
Evo Morales do MAS (Movimento ao Socialismo) surpreendendo os analistas políticos ganha a eleição para Presidência da Bolívia em primeiro turno. Cumprindo o que havia prometido na campanha eleitoral atende a principal reivindicação de seus apoiadores: a nacionalização do gás boliviano, causando furor na comunidade internacional, indignação nos setores reacionários e proclamado como novo herói da esquerda latino americana.
Nas palavras de Mészaros (2006, p.1).

A fase de dominação semicolonial dos Estados Unidos sobre a América Latina está sendo derrotada em todo o continente. A necessária solução passa pela formação de uma ‘estrutura unificada’, que surgiu com Bolívar no horizonte histórico da América Latina há quase dois séculos.

Por fim, cabe salientar a vitória do socialista Tabaré Vasquez no Uruguai, rompendo uma polarização histórica entres os direitistas: Partido Colorado e Blanco, mesmo na Colômbia onde o aliado incondicional dos EUA, Álvaro Uribe foi reeleito, houve um acréscimo substancial na votação do candidato das esquerdas, e no Peru o recém eleito, o social-democrata Allan Garcia aponta como modelo para seu governo o Presidente Lula e a Presidente chilena Michelle Bachellet. Outro fato extremamente importante é que pela primeira vez um candidato apoiado pelos EUA foi derrotado na eleição para a Secretaria-Geral das Organização dos Estados Americanos (OEA), a candidatura do chanceler mexicano Luiz Ernesto Derbez, apoiada por Washington foi obrigado a se retirar da disputa, dando a vitória para o ex-Ministro do Interior do Chile, José Miguel Insulza, apoiado ostensivamente pelo Brasil e pela Venezuela.
A América Latina aguarda com expectativa os próximos passos, principalmente a eleição brasileira a qual o Presidente Lula aparece como favorito nas pesquisas de intenção de votos ao pleito de outubro, e a eleição presidencial do México, uma vez que o oposicionista Manuel López Obrador aparece com chances reais de chegar a Presidência.
Mesmo com percalços e atritos entre os novos governantes latinos, fala-se muito na divisão das esquerdas, de um lado a pragmática: (Lula, Bachellet, Vasquez) e do outro a populista (Chaves, Evo Morales, Kirchner), a atual febre esquerdista na América Latina, demonstra um esgotamento das políticas adotadas nas ultimas duas décadas na região e um apontamento em direção a governos comprometidos com uma inserção soberana das economias do continente, melhor distribuição de renda, fim das desigualdades sociais, de gênero e racial.


[1] Aluno de Graduação do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
Referências Bibliográficas


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