quarta-feira, 18 de junho de 2008

TEORIAS DO MUNDO PÓS GUERRA FRIA

TEXTO 1: Polaridade na Teoria e na Prática

Márcio Moraes do Nascimento


O texto apresenta um esboço crítico de como pode ser encarada a atual estrutura internacional de poder, dando destaque para teoria da polaridade que é uma maneira tradicional e simples de entender as RIs.
Dentro desta teoria, destacam-se dois pontos na tentativa de compreensão da estrutura de poder: qual o efeito do comportamento do Estado nessa estrutura e quais as conseqüências de mudanças no grau de polaridade.
A polaridade apresenta pontos de intersecção com a teoria realista das Ris, porém não deve ser estabelecida sobre a lógica do realismo. Também pode ser relacionada com a visão gramsciana de hegemonia e a percepção globalista da relação centro-periferia.
Apesar do desafio atual da globalização, a polaridade é provavelmente ainda a maneira mais difundida de formulação dos fundamentos da estrutura global de poder descrita com freqüência como bipolar, unipolar ou multipolar.
Embora fosse implícita desde o pensamento de Thucydides - servindo também para explicar o sistema eurocentrista (a Pentarquia), seu uso explícito ocorreu somente durante a Guerra Fria. Após 1945 o conceito de polaridade se torna central no discurso das RIs.
Uma vez que se transformou numa maneira estabelecida de pensar, foi aplicada retrospectivamente na análise dos sistemas internacionais históricos.
A compreensão de que a estrutura internacional do poder era bipolar tornou-se dominante durante a década de 1970. Pareceu capturar todas as características principais que fizeram o período da Guerra Fria diferente dos anteriores. Em vez de diversas potencias, havia somente duas superpotências cuja guerra econômica e a política global de dominação foram reforçadas pela possessão de vastos arsenais de armas nucleares. Ao invés de variedade de divisões nacionais e ideológicas entre estados e povos, provocava uma divisão ideológica de alcance mundial entre o comunismo soviético e o mundo capitalista.
Argumenta-se que o fim da Guerra Fria acabou com a bipolaridade em dois sentidos: a destruição de uma estrutura de poder baseada em duas superpotências e a cessação de uma confrontação entre o totalitarismo comunista e o capitalismo democrático.
O colapso da União Soviética levantou a seguinte pergunta, o que virá após esse período? Uma nova versão de polaridade emergiria para definir a estrutura estratégica da política internacional ou a implosão da bipolaridade tinha destruído realmente a utilidade da idéia da própria polaridade?
Sem uma resposta concreta a isto a teoria neo-realista se viu com um problema de fundo e mesmo o pragmatismo do discurso político arriscara-se a perdurar sobre um conceito que distorceu mais do que explicou. A confusão sobre esta pergunta reinou por algum tempo. Havia somente três possibilidades:
1. O sistema poderia ser unipolar, comandado pelos EUA: único candidato a superpotência;
2. Poderia ser multipolar: Rússia. China, Japão e União Européia se equipariam aos EUA como grandes potências;
3. Ou podemos concluir que a polaridade tenha se tornado obsoleta: entusiastas da globalização defendem que esta já não é uma maneira eficaz de explicar a estrutura da política internacional.
As desvantagens deste tipo de interpretação passam pelo crivo da realidade. Quem avalia um cenário unipolar sob hegemonia norte-americana dá um crédito excessivo ao país que tem apresentado cada ano menos poder relativo, econômico e político. Apesar de manter o poder militar, que permitiu por algum tempo ações isoladas – ou com pouco apoio – o custo deste tipo de ação já pesa na economia em sua economia fragilizada. Por outro lado, a posição pela multipolaridade parece dar à Rússia, China, Japão e a UE mais peso do que realmente têm. Não conseguiram impedir nem política, nem econômica, e, menos ainda, militarmente ações unilaterais por parte da ex-superpotência.
O unilateralismo e as seguidas demonstrações do poderio militar dos EUA na Primeira Guerra do Golfo, na Iugoslávia, no Afeganistão e a invasão do Iraque aparentemente corroboram para a tese da unipolaridade. Embora os globalistas sustentem suas críticas, é de se pensar que a análise de um sistema mundo centro-periferia, com um núcleo capitalista desenvolvido dominando uma periferia menos desenvolvida, seja aplicável com a unipolaridade.
O 11 de Setembro e o conseqüente domínio dos “neocons” em Washington pronunciou uma mudança do caráter básico do ambiente de segurança internacional, isso tem reforçado a idéia que nós vivemos num mundo unipolar. Os ataques dos EUA e a guerra ao terrorismo internacional reforçam as inclinações deste ao unilateralismo.


Polaridade na teoria das relações internacionais


Durante a Guerra Fria, o debate acadêmico das RIs não se distanciavam da comunidade política em seu entusiasmo pela bipolaridade e o termo assim estabeleceu-se com sucesso ao lado da balança de poder e da dissuasão. A figura principal neste desenvolvimento foi Kenneth Waltz, que em uma série de trabalhos desenvolveu a teoria que se tornou o neo-realismo.
Embora o neo-realismo parecesse novo, e menos superficial, era de fato uma releitura de uma perspectiva clássica bem estabelecida do realismo na política mundial. O neo-realismo argumenta que as pressões da anarquia definem resultados independentemente da natureza humana ou dos regimes políticos domésticos. Esta tese se tornou dominante nas RIs nos anos 1980 e 1990 e, embora desafiados regularmente, permaneceu influenciando a maneira de pensar as RIs na ordem global contemporânea.
O fim da União Soviética se tornou um problema para a teoria que sugere ser a unipolaridade impossível. Para Waltz, significaria um desequilíbrio da balança de poder que operaria de forma a impedir o surgimento de um pólo único de poder. O neo-realismo vê a unipolaridade como improvável, instável e indesejável por causa do perigo de um governo imperial.
Ao perceber o sistema como inerentemente anárquico, Waltz prega a existência de, no mínimo, duas potencias balanceando o poder.

A teoria da estabilidade hegemônica (HST) poderia ser considerada uma teoria que corrobore com a unipolaridade. Seus interesses principais são sobre a estabilidade de ordens econômicas internacionais liberais, não considerando a balança de poder, enfatizando o papel do líder hegemônico. A unipolaridade nesta versão teve muitas qualidades positivas no sustento da economia global, porém, ironicamente o fardo da liderança hegemônica tenderia a minar seu poder o que desestabilizaria novamente o sistema.


A utilidade da polaridade


Para os acadêmicos, a polaridade possui duas fortes atrações como modo de pensar as relações internacionais. Primeiramente, torna esse conceito viável na análise diplomática da estrutura da política internacional, assim como se distância da lógica da política de poder das suposições conservadoras sobre a natureza humana. Em segundo, a polaridade oferece uma maneira real de simplificar as complexidades do dia a dia da política mundial.
Para os estudiosos, pensar nos termos da polaridade ocasionou um maior rigor cientifico para compreender as relações internacionais. Para o discurso da política pública ofereceu um ponto simples para que quase qualquer um seja capaz de entender as estruturas de poder mundial.
Mas como a polaridade serviu as aspirações da ciência social e da política? Nas ciências sociais, como a maioria das outras tentativas de criar nas RIs uma ciência dura, a teoria da polaridade não cumpriu as ambições daqueles que tentaram correlacionar formalmente com a estabilidade da guerra, da paz e do SI.
A literatura recente da paz democrática aponta para uma variável alternativa, não ligada à polaridade, que parece carregar significativamente a pergunta a cerca da guerra ou da paz. Em uma perspectiva macro-histórica a polaridade é uma proposição menos importante das mudanças estruturais, entretanto não impede que a polaridade seja interessante dentro de tempos históricos curtos.
A polaridade é atrativa como ponto de partida de uma analise teórica, pois estabelece uma maneira imediata de lógica relacional entre os jogadores da política internacional. Como notável, a polaridade não determina sempre resultados. Mas é um guia útil na compreensão da lógica das pressões e os imperativos que são inerentes em muitas situações, não apenas na segurança militar, mas também na diplomacia, nas instituições internacionais e na econômica. Por exemplo, sabendo da polaridade de um sistema pode se sugerir hipóteses sobre como balancear o jogo de poder.


TEXTO 2: Poder Americano no Século XXI

Diego Melo


O presente resumo tem como objetivo apresentar os pontos fulcrais do capítulo “Introduction: Whiter American Power?” dos autores David Held and Mathias Koenig-Archibugi, introdução do volume “American Power in the Twenty-First Century”, que reúne uma série de analistas do paradoxo do poder americano no século XXI como Robert Cooper, Michael Cox, Thomas Risse entre outros.
Poucas questões políticas hoje tendem a suscitar fortes e diversificados debates como o papel dos Estados Unidos da América na definição dos assuntos mundiais. A reação pós 11 de setembro, como as guerras no Afeganistão e no Iraque, intensificaram esses debates sobre a natureza e as perspectivas do poder americano, tão discutido nesse capítulo e apresentado por uma ampla variedade de pontos de vista sobre a profunda natureza, o impacto, bem como o futuro do poder americano.
As dimensões vão desde a comemoração dos EUA “realizações destinadas a pôr a liberdade, democracia e de prosperidade para todos os cantos do mundo”, até a “condenação de um império americano e a sua tentativa de impor um único sistema econômico e de um estreito conjunto de convicções morais sobre outros povos”.
Seja qual for à interpretação das causas e conseqüências das ações dos Estados Unidos em todo mundo, há uma concordância geral de que a história do século XXI será determinada, em grande medida, pela forma de como o poder americano é utilizado, e pela forma como os povos não-americanos reagem a isso.
O enfoque sobre a dimensão do poder enfatiza a uma projeção de possíveis cenários sobre o desenvolvimento do poder americano e suas implicações para a ordem internacional. Um mapeamento das diferentes concepções do poder torna-se um mecanismo útil para a introdução dos debates sobre o poder americano.
Em linhas gerais, dois tipos de mudanças podem ser concebidos em relação ao exercício de poder pelos Estados no sistema global. A primeira envolve mudanças a partir de conceitos como altamente centralizados e altamente difusos, ou seja, o confronto de uma situação em que a ameaça real e uso da força é realizado por um ator político somente e outra situação em que vários Estados participam ativamente na determinação de políticas mundiais e estão preparados para intervir militarmente no exterior.
O segundo tipo de mudança envolve uma dimensão em que o exercício do poder coercivo pode tornar o sistema internacional mais discricionário, livre de condições e não-limitado ou mais constitucionalizado, convergido em um sistema de regras e normas. O exercício do poder coercivo tornar-se-ia mais discricionário se as regras existentes sobre o uso da força fossem cada vez mais ignoradas ou impostas unilateralmente. A constitucionalização do poder coercivo significa, pelo contrário, que esse poder é exercido de acordo com regras precisas e vinculativas que são coletivamente acordadas pelos participantes do sistema.
Combinando essas duas mudanças do exercício de poder coercivo, envolvendo centralização e difusão e/ou sistema discricionário ou constitucionalizado, projeta-se possíveis cenários do sistema internacional em relação ao poder americano; 4 cenários são apresentados: um cenário de evolução no sentido de império; um sistema de equilíbrio de poder; um sistema de segurança coletiva; um governo com democracia global e a manutenção do status quo é colocado como uma hipótese.
Cada um destes cenários explora a trajetória da distribuição internacional de poder e uma constelação de diferentes oportunidades e custos.
No primeiro cenário, a ordem internacional do século XXI, será definida por duas tendências. A primeira é a tendência para uma maior concentração de recursos de poder nas mãos dos governos dos Estados Unidos. O atual departamento de Estratégia de Segurança Nacional dos EUA afirma que “as nossas forças serão suficientemente fortes para dissuadir adversários potenciais.” A América gasta em suas forças armadas mais do que 14 países combinados. Caso mantenha as tendências atuais, as despesas militares dos EUA serão iguais ao do resto do mundo em pouco tempo.
Muitos pensam da seguinte maneira “os Estados Unidos podem assumir os encargos da manutenção da segurança mundial sem ajuda da Europa – ou de qualquer outro país”. A segunda tendência, neste cenário, é uma vontade cada vez maior de tomar decisões baseados no uso da força desrespeitando as normas e procedimentos internacionais – da mesma maneira que a atual administração Bush.
A Carta das Nações Unidas e outros documentos jurídicos internacionais tornam-se mais e mais irrelevantes pelos tomadores de decisões americanos. Além disso, os benefícios das alianças tradicionais como a OTAN já não podem ser considerados suficientes para compensar o custo em termos de autonomia, flexibilidade e rapidez da ação.
Um influente grupo de políticos e analistas acredita que os EUA devem utilizar suas capacidades superiores para reformular a ordem internacional em consonância com os valores e interesses americanos, referidos como “neoconservadores”, eles não aceitam o princípio da soberania como um obstáculo externo para a intervenção, promovendo um “regime de mudanças” nos estados “malfeitores”. Os Estados Unidos terão por objetivo não só ser a polícia do mundo, mas também o legislador e o juiz.
Isso equivaleria a uma desconstitucionalização da ordem internacional. A combinação entre a centralização do poder em um Estado e a ausência de constrangimentos institucionais é uma marca distintiva das ordens imperiais. Alguns neoconservadores falam abertamente sobre a construção de um império americano – um “benigno” império que promove a liberdade, a democracia e a economia de mercado em todo mundo. Porém o autor El-Affendi analisa criticamente essa situação e escreve “O que vemos aqui é a impotência do poder, na sua espetacular e paradoxal manifestação”.
No segundo cenário, o sistema internacional direciona a um sistema multipolar e equilíbrio de poder. Pouco depois do fim da Guerra Fria, alguns estudiosos previam o fim do sistema internacional bipolar levaria a uma reconfiguração das alianças e alinhamentos já existentes. Duas tendências produziriam o surgimento de um sistema multipolar e o equilíbrio de poder. Na primeira tendência, certo numero de Estados poderiam melhorar ou adquirir a capacidade de projetar forças militares. O exercício do poder coercivo se tornaria mais difuso. A segunda tendência é de que cada um dos pólos no sistema iria usar ou ameaçar usar a força com maior discrição. Por isso a Carta das Nações Unidas, como no cenário 1, torna-se obsoleta nesta ordem internacional.
O desenvolvimento do multipolarismo pode ser impelido por dois fatores. “Em primeiro lugar, a tentativa de estabelecer administrações imperiais por parte dos EUA em relação com outros países, podem suscitar preocupações, uma posição subalterna pode gerar reações anti-hegemônicas e o conflito eminente”. Outro fator são os concertos de poderes inseridos em cenários multilaterais contraponto a potência americana.
Cooperação é um tema chave desse cenário e a dedicação ao Soft Power, como salienta J.Nye. Ele afirma que esta seria a melhor forma de poder a ser utilizada pelos EUA para manter a sua predominância no cenário internacional.
No terceiro cenário um movimento para promover um sistema de segurança coletiva pluralista implica o desdobramento dos dois processos. Em primeiro lugar, o exercício do poder militar torna-se mais descentralizado e a intervenção armada é cada vez mais plural, ao invés de uma ação preventiva e isolada dos EUA, por exemplo. Em segundo, lugar o poder militar torna-se mais constitucionalizado e tem bases em regras que são precisas, imparciais e juridicamente vinculativas. Porém as perspectivas são pessimistas por causa da atual orientação da política externa americana, baseada na “Doutrina Bush”, que objetiva primordialmente conseguir uma “dominância do mundo”. A criação de um sistema coletivo de segurança baseado e uma aliança duradoura entre liberais internacionalistas nos EUA, Europa e Japão e outros estados poderosos é improvável.
Rumo a uma democracia global é o quarto cenário colocando uma visão global organizada em torno de princípios que podem ser considerados democráticos. Avançar para tal forma de organização implicaria um processo de duas facetas: constitucionalização e centralização. A possibilidade de que o mundo pode estar se movendo em direção a uma política global organizada de acordo com os princípios democráticos é saudado com grande ceticismo pelos contribuidores pertencentes a várias tradições de análise.
Qualquer política global que possa surgir no futuro previsível seria simplesmente uma expressão do poder do Estado mais forte no sistema internacional, isto é, uma máscara de dominação imperial. Na interpretação realista do mundo da política, mais provável é a perspectiva de qualquer tentativa nesse sentido seria bloqueada por uma coligação de Estados que pretendem preservar sua independência. Autores marxistas salientam que a lógica da globalização capitalista mina uma democratização internacional. Outros autores defendem um “comunitarismo”. Alguns economistas alegam que a integração econômica internacional promove a desintegração política, em vez de políticas de integração, uma vez que grandes Estados já não são necessários para o bem da eficácia quando as atividades econômicas são cada vez menos limitadas por fronteiras estatais.
Os quatro cenários anteriores são baseados em argumentos sobre a importância relativa de várias forças políticas, econômicas e sociais. Algumas dessas forças apóiam a centralização do exercício do poder coercivo, enquanto outras forças impulsionam na direção oposta, apóiam a difusão. Do mesmo modo que algumas forças constituem promover a constitucionalização do poder, enquanto outras tendem a se tornar mais discricionárias. Uma hipótese a ser colocada é a continuação do status quo dos EUA, desfrutando um elevado grau de estabilidade e supremacia militar.
Os ensaios neste volume analisam e debatem a natureza do poder americano no século XXI. Embora não haja consenso sobre o que poderia ou deveria acontecer com o papel dos EUA no mundo, a hegemonia americana vai continuar a despertar intensas paixões e discussões.



TEXTO 3: Repensando as definições – superpotências, grandes potências e potências regionais

Fillipe Martins


A dificuldade teórica de classificar os estados em potências se mostra evidente na teorização das variantes – realistas, neo-realistas, idealistas – que formulam suas análises em determinados períodos históricos e analisa os fatos à luz de suas conseqüências, às vezes conjunturalmente e outras estruturalmente.
Tais teorias também estabelecem status de conjunto no sistema internacional para o estudo das relações entre os estados: multipolaridade, bipolaridade e unipolaridade.
Um sistema multipolar aconteceria quando vários estados têm certo reconhecimento em termos de potencial de influência, tanto em sua região quanto em todo o sistema. O exemplo, no caso da multipolaridade, é o período pré-primeira guerra mundial, quando as forças estavam relativamente balanceadas entre 9 estados com reconhecimento de potências.
A classificação bipolar aponta momentos em que os atores no cenário internacional conferem a duas potências o caráter de supremacia no quadro das relações internacionais. Esta supremacia é caracterizada não só por vastos territórios, grandes populações e poder de influência, mas também por característica possessória de armamentos nucleares. O período pós-segunda guerra foi de fundamental importância para os analistas tanto realistas como neo-realistas, que viam na balança de poder a essência do equilíbrio do sistema internacional.
A unipolaridade se dá no contexto do pós-guerra fria, e no descrédito das teorias neo-realista e realista, acusadas de não preverem a queda da URSS e o deslocamento do poder para um só estado. Os EUA nos anos 1990 se mostravam aos otimistas como o resultado do predomínio da democracia capitalista, que libertaria o planeta e se faria hegemônico ad eternum. Porém, a emergência de potências econômicas desde os anos 1970 (Japão e Alemanha), e nos anos 80 e 90 da China e da Índia, alavancaram novas possibilidades de um quadro teórico que não mais seria balizado por hegemonia nuclear, mas por potencial de comércio e influência em suas regiões (potencias regionais) e, com o passar, do tempo globalmente.
O retorno a um status global que coloca os estados em relativo grau de multipolaridade no ambiente internacional ainda é incerto.
A pressão dos EUA pela preservação do status social interno de consumo causa desequilíbrio no cenário internacional por sua capacidade bélica e de ataque preventivo em busca de recursos à manter sua hegemonia.
Mas a multipolaridade emerge de estados que se desenvolvem, e vêm se desenvolvendo à margem dos atores centrais. Uma vez que as características para se reconhecer uma potência média, ou grande, são medidas exogenamente, estados como Brasil, Índia, China, África do Sul e Rússia têm pouca chance. Mas a Comunidade Européia e o Japão são cada vez mais fortes no cenário internacional, e pressionam a hegemonia dos EUA.
Assim, a teorização acerca de superpotências, bipolaridade, potências, multipolaridade e potências regionais tende ainda a ser utilizada para proporcionar a compreensão do novo cenário mundial do séc. XXI.


TEXTO 4: O Brasil no mundo – conjecturas e cenários

Mariana Moura


Tomando como base os fundamentos teóricos e metodológicos do projeto “Brasil: O país no Futuro”, VELASCO E CRUZ e SENNES apresentam reflexões sobre as características do sistema internacional, presente e futuro, assim como buscam esquadrinhar as possibilidades de relacionamento entre os países depois do desmantelamento econômico e político da União Soviética.
A primeira característica que interfere no cenário é a posição da potência central do sistema capitalista. Segundo os autores, do ponto de vista econômico, os Estados Unidos da América (EUA) padecem de um “baixo nível de poupança” e de um “grau muito elevado de endividamento (público e privado)”. Esta fragilidade levanta questões sobre sua capacidade de manutenção da hegemonia. Apesar de ainda possuir supremacia militar, suas armas (nucleares) não podem ser empregadas e o custo social de exercer tal supremacia já não é aceito pela sua própria sociedade.
A segunda característica seria a construção e desenvolvimento da União Européia. A questão levantada, desta vez, é até que ponto a heterogeneidade desestabiliza a unidade com a qual a comunidade poderia fazer face ao poderio norte-americano.
No campo asiático, a China cresce e já é a segunda maior economia do mundo. Para os autores, o crescimento pode não se sustentar em função de “distorções (...) que a condenariam a se debater em grave crise econômica em prazo breve”. A potência tem que lidar ainda com a interferência norte-americana em questões internas e de defesa militar.
Além destes três elementos, outros são ainda apontados como influenciadores do SI: Rússia, Oriente Médio, Índia e Irã.
A partir da nova realidade observada, os autores iniciam a construção dos possíveis cenários futuros avaliando sua possibilidade de se realizar:
a. MAIS PROVÁVEL: Desconcentração conflituosa – em que a hegemonia norte-americana se vê pressionada pela ascensão dos outros atores nas diversas instâncias de relacionamento entre os países. Como resultado, as tensões internacionais crescem e o desenvolvimento econômico diminui no geral, com exceções pontuais como América do Sul.
b. DESEJADO: Multipolaridade benigna – em que os Estados Unidos da América abrem mão da hegemonia, dividindo crescentemente as responsabilidades do equilíbrio do sistema. Caso se confirme, os autores prevêm redução das possibilidades de guerra, crescimento econômico em escala planetária e aumento de poder das instituições internacionais de intermediar acordos.
c. CONTRASTANTE 1: Unipolar consolidado – os novos atores de peso não conseguem se equiparar à superpotência, que mantém a hegemonia sobre o sistema. As instituições internacionais perdem importância nas decisões, crescem tensões militares e possibilidades de guerra
d. CONTRASTANTE 2: Liberal cosmopolita – a gestão compartilhada dos assuntos internacionais reduz margem nacional de decisão em assuntos internos. A “comunidade” internacional determina consensualmente atitudes e políticas. Fortalecimento das ONGs e integração regional são cenários de alta probabilidade.

O Brasil no mundo

De acordo com estas análises, segundo os autores, o Brasil deve tomar iniciativas internacionais a depender de qual cenário se mostrar mais realista.


CONCLUSÃO


A teoria da polaridade surgiu para explicar o mundo pós-segunda guerra mundial, em que pólos de poder se tornaram aparentemente claros e as hegemonias sobre o sistema eram sentidas de forma muito nítida pela população em função de maior cobertura da mídia.
A simplicidade da explicação do mundo arrebatou estudiosos de Relações Internacionais mas seu defeito é fundamentalmente este. Enquadra relações complexas em um esquema metodológico linear. Poucas variáveis definem as análises e as contradições inerentes à evolução das sociedades humanas são esquecidas em prol de uma falsa estabilidade, que só se configura, de acordo com tal teoria, sob a hegemonia, no caso, de uma potência capitalista.
Impulsionados por tal tese, a da estabilidade hegemonia de superpotência, os norte-americanos se arvoraram no direito de patrulhar o mundo. E o fazem, obviamente, e acordo com seus próprios interesses, como qualquer nação o faria, e ao custo da liberdade e recursos de outros povos.
A reação a isso não tardou. As nações tolhidas de soberania – um princípio das relações entre os países – pela dominação econômica, militar e ideológica pressionam cada dia mais pelo direito de decidir seus destinos.
Assim, a “balança de poder” tende a se romper inevitavelmente. A formação de blocos primeiro econômicos, e, agora políticos e sociais, nada mais significa do que tentativas nesta direção.
A busca por explicação do mundo domina o imaginário humano desde a formação das sociedades, mas a simplificação em esquemas metodológicos com premissas unilaterais, que só observam um ponto de vista, não resiste a uma análise mais acurada.


Teses equivocadas


O fim da guerra fria, com o colapso da URSS, levou e leva a várias tentativas teóricas de se prever o cenário que se desenrolará nas relações internacionais.
Entre as que mais se destacaram foram as da “utilidade decrescente da força militar”, a da “ampliação dos espaços comunitários e de cooperação”, a do “sistema unipolar”, a do “concerto global” e a do “revigoramento das Nações Unidas” que, no geral, significam mais uma vontade de realização do cenário por parte do teórico do que necessariamente a realidade.
Assim como qualquer cenário, o mais provável para o teórico é normalmente aquele que deseja ou pensa que irá se concretizar. Independente da vontade dos autores, os cenários vislumbrados pelos estudiosos das relações internacionais só se concretizam a depender da ação dos atores envolvidos. A necessidade de força militar depende obviamente dos interesses das nações, assim como a cooperação.
As transformações do cenário internacional pós-guerra fria nos remete a possibilidades de contextos tanto estruturais quanto conjunturais. A preponderância dos EUA não pode ser tão efetiva quanto antes em função de seu astronômico endividamento externo e interno, o débâcle do seu poder ideológico e seu conseqüente descrédito como mantenedor da paz internacional. Assim como a “unipolaridade” militar perde força com o despontar de economias e blocos econômicos que tentem fortemente a refutar o poder dos EUA, vide Alemanha (CE) e Japão.
As potências regionais se fortalecem e buscam reunir coesão para obter nos organismos internacionais papéis mais relevantes e de direito, uma vez que o direito internacional existe e rege os estados; ou ao menos assim deveria.
A ascensão de potências regionais, blocos econômicos mais homogêneos, movimentos sociais que buscam pressionar a ordem econômica vigente, as próprias dificuldades de recriação do capitalismo na tentativa agonizante de continuar imperando abrem espaço para novas formas de cooperação multipolar, distribuídos entre grandes potências, potências e potências regionais que buscam sua inserção no cenário internacional de forma a equilibrar e tornar possível a continuidade da história.
O fortalecimento e respeito pelas instituições internacionais por parte dos estados, a multipolaridade e o fim da ideologia unipolar imperial, a busca constante da participação dos estados na implementação de regras internacionais para o equilíbrio do sistema e o respeito à soberania são caminhos a perpetuação de um contexto estrutural que a sociedade pode vir a ter.

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